Ávillys mac Mórrigan
Eu confesso que já tinha escrito esse texto antes... Logo quando fiz os 30 dias druídicos pela primeira vez em 2015. Ele chegou a ser postado aqui no blog, mas dado o momento... estou repostando, até porque minha visão quanto ao assunto não mudou, se aprofundou, mas permanece fiel a esse ensaio.
Deixo aqui a atualização... Ainda hoje nenhum mito conseguiu ser mais simples, profundo e complexo do que o mito criacional da Oran Mór (a Grande Canção), que pode ser expresso em total verdade e clareza por essas duas frases: "existia o nada e o vazio e, um dia, a Música tocou!"
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Se aprofundar na cosmologia celta é adentrar nas brumas do tempo, e espiralar por um passado longínquo praticamente inacessível.
Os celtas não deixaram registros escritos até muito recente em nossa
história. Os poucos registros se remetem em sua maioria a um período em
que a fé celta estava cristianizada ou em vias de sua cristianização.
Compreender e ir mais fundo nos mistérios celtas requer uma habilidade
especial: saber olhar o pouco que temos disponível como migalhas de pão
de um caminho rumo a floresta, rumo ao sagrado. Um sagrado que precisa
ser sentido para ser compreendido e que dificilmente pode ser explicado
por palavras modernas.
Parte desses mistérios e conhecimentos perdidos nas brumas do tempo
estão aqueles que se remetem ao mito de criação celta. É comum que as
religiões tenham seus mitos cosmogônicos, as lendas e histórias que
remetem ao princípio de tudo. Assim como seus mitos escatológicos, que
nos levam até o fim dos tempos. Contudo, os celtas não. O que sabemos é
que a grande crença celta vive no ciclo infinito. E talvez esse ciclo
nos remeta a uma ideia de eternidade e perenidade.
Mas podemos achar algo que pode, e deve, ser tomado como mito criacional. Os druidistas mais contemporâneos descreveram uma Oran Mor (Grande Canção). A Oran Mor
seria nada mais que a melodia criacional, a inspiração que tudo criou.
Então tudo surgiu da música, tudo é música, e tudo se desenvolve pela
música. A inspiração criacional diz exatamente o que o nome quer dizer: a
respiração. A Oran Mor pode ser entendida como o som da
respiração cósmica que criou a tudo, um organismo universal que começa
sua respiração. Por isso, ela pode ser sentida no barulho das ondas do
mar, que imitam o movimento e som de uma respiração. Mas ela também pode
ser ouvida no toque do tambor, que imita o batimento cardíaco.
Isso tudo ainda é pouco. Escutar a Grande Canção é uma tarefa difícil
praticamente impossível. Mas podemos harmonizarmos com ela, sentir seu
fluxo e nos unirmos a ele, entrando num estágio de harmonia com tudo o
que existe.
E assim, os celtas falam de Três Mundos: o mundo acima, mundo celestial;
o mundo intermediário (a Terra Média); e o submundo. O mágico na
compreensão celta é que não há nenhuma hierarquia entre os Três Mundos.
Eles coexistem harmonicamente, e assim o que está acima não
necessariamente é melhor do que os que estão abaixo. E eis que o centro
também simboliza o fogo, a poesia e a criação, o centro é a Oran Mor.
Dessa forma, portanto, é da música que tudo vem, pela música que tudo flui. É a Grande Canção que move o mundo.
Nosso planeta faz parte dessa música, desse ser cósmico e sagrado. Faz
parte e é a Terra Média ou o Mundo Intermediário. Dessa forma, ele é
sagrado, assim como tudo que há nele. Há nos celtas um respeito
primordial e inquestionável pela Natureza e pelo mundo em que vivemos. A
Terra é nossa Mãe, mas também é parte de nós e nós dela. Essa simbiose
harmônica deve ser mantida de maneira honrosa. Entender, sentir e honrar
o sagrado em nosso mundo também é uma tarefa essencial na fé celta.
Esse honrar não deve ser entendido como uma submissão e servidão, mas
como respeito.
A Terra também possui Três Reinos: O Céu, a Terra e o Mar. Cada reino
representa um elemento sagrado e é ponto de conexão com outros mundos.
O Céu, representa Nwyfre, o sopro divino, o ar e o próprio céu
acima de nós. Assim, o céu, acima de nós, representa a luz, a inspiração
sagrada e os Deuses.
O Mar está em nosso horizonte, representa Gwyar, as águas e o próprio mar ao nosso redor. Representa, portanto, as emoções, os seres feéricos e os ancestrais.
Já a Terra, está sob os nossos pés e, eu a considero, no meio entre os
reinos – uma recriação dos Três Mundos Cósmicos. A Terra representa o Calas, a terra que nos sustenta. Representa as raízes, o solo, e os seres da natureza.
No real centro dos Três Reinos, encontra-se o Bosque Sagrado onde o Fogo
queima no Poço da Sabedoria sob a Árvore da Vida. É a esse bosque que
todas as vivências e rituais devem transportar. A Árvore da Vida é o
símbolo que conecta os Reinos e os Mundos: com seu tronco no mundo do
meio, no reino terreno; suas profundas raízes que atingem as águas e o
submundo; e com seus longos e altos galhos que tocam o céu e alcançam o
mundo celestial.
E dessa forma, toda árvore é sagrada, ao ser um ponto de contato com os
Três Reinos e com os Três Mundos. E toda existência está inserida no
mundo sagrado, de maneira que tudo é sagrado e tudo flui conforme a
Grande Canção.
Um lindo poema, de Caítlin Mathews, encontrado no site
Templo de Avalon, resume os Três Reinos e nossa conexão com eles:
"Não sei qual o meu destino.
Viajo para muito longe das ondas.
Procuro minha alma, onde ela está?
Eu olho a estrela para me guiar de volta.
Há uma ilha no oeste,
Terra sob o Céu e sobre o Mar,
Viajo para muito longe em minha busca.
Procuro um guia para me conduzir.
Um ramo de prata em minha mão
Com flor de cristal e fruto dourado,
A mãe árvore cresce na praia;
É lá que eu devo encontrar minha raiz.
Há uma ilha no mar,
Onde as águas fluem e o alimento dá a vida,
Onde não há inimigo, onde o amor é livre.
Procuro um lugar onde não aja contenda.
Eu olho a estrela para me guiar para casa,
Encontro o repouso da minha alma e meu espírito,
Viajei muito além das ondas,
Pois não há fim em minha busca."
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