domingo, 20 de dezembro de 2020

Dia 09: Ancestrais

 Após um longo tempo... retomemos.


(Link da imagem)

Ávillys mac Mórrigan.

Os ancestrais são as almas, espíritos e energias dos antigos, dos antepassados e também dos vivos (nossos pais, avós são também nossos ancestrais). Desde os ancestrais de sangue, até os ancestrais da terra ou da nossa espiritualidade. 

Alguns povos e tribos celtas acreditavam na reencarnação ou na metempsicose, a transmigração da alma de um corpo para o outro. Desse modo, você tem a escolha de retornar a esse mundo para aprender mais e você escolhe a linha e o aprendizado que irá obter; ou pode prosseguir e continuar vivendo no Outro Mundo em suas várias moradas e ilhas. Mas não podemos lá generalizar essa ideia.

O culto e às honras aos ancestrais era algo forte na cultura celta. O festival de Samhain era também a eles dedicados. São nossos ancestrais que abriram e nos apontaram o caminho a seguir. Eles nos deram a tradição e os ensinamentos. Harmonizar-se com eles é manter a honra de uma família, de um povo e de uma terra. E a honra é o que um homem pode carregar e possuir de mais sagrado.

Honrar seus ancestrais é manter viva sua memória, aprender com seus erros e prosperar em seus acertos. É aprender a respeitar quem você é, de onde você veio e ter em mente onde você quer chegar.

No Druidismo Moderno prestamos honras a três ancestralidades: a de sangue, da qual descendemos corporeamente, e que carregamos conosco em nossos traços e laços físicos e espirituais. Em termos gerais é nossa ascendência. A de terra, da qual somos herdeiros, como habitantes dessa terra é nosso dever honrar os que nela viveram antes de nós, que nos ensinam sobre nossa terra, suas propriedades, ervas e épocas de plantio e colheita. Em termos gerais são os indígenas, e para muito de nós os africanos como uma reparação espiritual por terem sido apartados de suas terras. E, pro fim, a ancestralidade de tradição ou de alma, na qual você está hoje. Essa ancestralidade fala de qual tradição, filosofia de vida você segue e de quem você é herdeiro nessas ideias e, num panorama mais profundo, do local ou espiritualidade em que sua alma faz morada, onde você reconhece como seu lar filosófico e espiritual.

A ancestralidade é a base do Druidismo e da espiritualidade céltica, principalmente se tivermos em mente as tradições irlandesas, na qual os deuses habitaram esse mundo num passado distante e deles se retiraram para o Outro Mundo se tornando também sídhe, e sendo sempre também lembrados como nossos ancestrais distantes.

Já a noção e o contato com o mundo espiritual é algo que ainda precisamos desenvolver mais completamente. Muito dessa relação se perdeu com os séculos que nos separam dos celtas do passado, e hoje os movimentos revividos ainda constroem, a sua maneira, essa relação e catalogação. O que fica como fio de ouro é a honra e culto profundo a ancestralidade... 

Mas veja, essa honra e culto JAMAIS deve ser usado como forma de legitimação de qualquer tipo de fascismo, cultural, social, espiritual ou político. Não é sobre ter ascendência celta ou europeia ou qualquer que seja, é sobre honrar, manter e trazer honra aos antepassados, a seus nomes (conhecidos e desconhecidos) e isso se faz com nossas ações hoje e não com nossa linhagem. Portanto, não tem muito a ver com de quem você é filho, mas com o que você faz para honrar seu ancestral, sobre suas atitudes. E mais, não é preciso ter ascendência celta para ser da comunidade ou espiritualidade céltica. Basta sentir a conexão, a ancestralidade de alma, que sempre deve ser considerada mais profundamente que a de sangue.

Gostaria, por fim, de dar palavra a Roweena A. Seneween, nesse brilhante texto de sua autoria, retirado na íntegra do site Templo de Avalon.

A ligação com as raízes ancestrais nos dão força para crescer e amadurecer. Ancestral ou antepassado é uma relação muito mais abrangente que vai além dos nossos queridos avôs que, talvez, já tenham feito a passagem para o Outro Mundo; é a nossa linhagem espiritual e os Deuses, os Ancestrais primordiais. 
Ancestrais eu vos saúdo,
Da raiz à frondosa copa das árvores,
Sua essência habitará eternamente dentro de nós.

Podemos dizer que os ancestrais vão desde os antepassados mais próximos, ou seja, as linhagens diretas das nossas quatro famílias consanguíneas: avôs maternos e avôs paternos, e assim por diante - que no Druidismo chamamos de Ancestrais de Sangue, até a herança nativa, daqueles que habitaram a terra antes de nós - chamados de Ancestrais da Terra. E, por fim, a afinidade celta que representa a tradição dos costumes e das lendas de um povo que nos liga o passado ao presente - os Ancestrais da Tradição. 
Ancestrais eu vos saúdo,
Dos passos firmes e fortes sob a terra,
Daqueles que caminharam neste solo antes de nós.
Na visão que o universo se expande em espiral com suas múltiplas escolhas, por meio da migração das almas, podemos ser até nossos próprios ancestrais. Relembrando e vivenciando uma cultura tão antiga e ao mesmo tempo tão atual, através de alguns dos seus princípios como a honra, a verdade e a lealdade. 
Ancestrais eu vos saúdo,
Da essência vivida na alma e no coração,
Tribos celtas que circulam em espiral entre nós.
Portanto, ao nos lembrarmos dos antepassados, durante nossos ritos, estaremos conservando todo um patrimônio cultural, herdado de uma conexão ancestral, proporcionando assim, uma relação de reciprocidade de sentimentos de amor e amizade em todos os seus descendentes. 
Ancestrais eu vos agradeço,
Pelo manto invisível que nos protege,
Da jornada às águas profundas e que renascem em nós.

"Os mortos não estão longe, pelo contrário, estão muito, mas muito mais perto do que se imagina. É um encontro com as profundezas do "self" mais oculto da natureza. É uma viagem em direção a novos horizontes. Num certo sentido, estamos sempre à espera do grande momento da colheita ou do retorno às raízes, que sempre nos assombra com uma profunda sensação de ausência. A estreita faixa de claridade que chamamos de "vida" se estende a escuridão do desconhecido rumo à morada dos ancestrais. Gosto de pensar na morte como um renascimento. A alma é livre, em um mundo onde não há separação, sombra ou lágrimas, somente reencontros." (John O'Donohue apud Roweena A. Seneween)

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Live do Ritual do Féilte na Breithe (Festival do Nascimento)

 



O Leanaí an Ghealach Clann, nesse momento de pandemia e isolamento social, optou por também transmitir ao vivo (in live) um ritual do Féilte na Breithe, nosso Festival de agradecimento pelo ano, reflexão e prepação para o próximo ano. Rito adaptado e executado pelo nosso druida, Ávillys mac Mórrigan, de sua casa em Juiz de Fora / MG.

A live foi transmitida no domingo, dia 20/12/2020 às 18h (horário de Brasília), na página oficial do clã no Facebook, mas você pode assisti-la pelo link, clicando aqui.

Participe desse momento conosco. Se quiser, já separe os itens para uma prática mais efetiva. Mas se não puder, não tem problema, a sintonia vale muito mais!
  • 1 vela (verde, ou, se não for possível, branca);
  • 1 cálice ou copo com uma bebida de sua preferência;
  • 1 papel nunca usado e uma caneta;
  • Um recipiente para fazer a queima do papel;
  • prepare uma refeição gostosa para você e os seus para o final do rito.

Féile na Breithe (Festival do Nascimento) é um festival criado / adaptado pelo LaG em celebração ao solstício de dezembro. Ele não visa muito a noção de inverno e verão, mas a energia de (re)nascimento que emanamos com a aproximação do novo ano comercial, se unindo com a egrégora mundial sobre essa data. Esse festival visa agradecer o ano que se passou (sempre temos o que agradecer), refletir e pensar sobre o ano que se avizinha. Celebramos o verão e o início da temporada de chuvas (ou de grande seca) em nossa terra (Juiz de Fora / MG), entendendo o período de descanso promovido pelo tempo não muito produtivo ao campo (excesso de chuvas ou seca).

Nesse rito doméstico, nosso druida fará uma adaptação de nosso Festival cuidadosamente pensada para esse momento delicado da pandemia. Pois, mesmo na pandemia, com todo esse caos, temos vida para celebrar, temos a natureza maravilhosa para honrar e reflexões profundas para aprender e em cima disso, todos podemos criar e mentalizar um mundo melhor no amanhã.

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Abertura para membros novos - 2021

 



  • Inscrições abertas até 30/01/2021
  • Início das atividades: fevereiro de 2021
  • Formulário de inscrição: acesse aqui.

É com grande honra e carinho que o Leanaí an Ghealach Clann - LaG traz nossas inscrições para membros novos em 2021!

Você pode se inscrever para a Turma Semente 2021 do LaG, ou para ser membro devocional.

A Turma Semente é um curso básico de 3 meses de duração introduzindo você na espiritualidade céltica sob a ótica clânica. Esse curso é fundamental para o pertencimento em outras modalidades do clã. Modalidade gratuita.

Já os Deabhóideacha (membros devocionais) são amigos e membros que optaram por seguir o caminho devocional e não sacerdotal junto ao LaG. Esses membros recebem mensalmente materais práticos e de estudos por e-mail e têm acesso ao grupo no Whatsapp para debates e entrosamento. Nessa modalidade é cobrado uma mensalidade de R$10,00 (dez reais), repassada diretamente a Tesouraria do LaG.


As inscrições vão até às 23h59 de 30/01/2021! Após o encerramento das inscrições, os contatos serão feitos com os inscritos, confirmando seu interesse na vaga. As atividades se iniciarão em fevereiro de 2021 para os membros devotos aceitos e em 13/02/2021 para a Turma Semente.

Acesse o formulário e leia atentamente as explicações e perguntas.

Para maiores informações, mande um inbox em nossa página no Facebook, ou envie-nos um e-mail: antecamara.lag@gmail.com

domingo, 13 de setembro de 2020

Live do Ritual do Lá an Altaithe (Dia de Ação de Graças)

Crédito da imagem de fundo

O Leanaí an Ghealach Clann, nesse momento de pandemia e isolamento social, optou por também transmitir ao vivo (in live) um ritual do Lá an Althaithe, nosso Festival de agradecimento e reflexão adaptado e executado pelo nosso druida, Ávillys mac Mórrigan, de sua casa em Juiz de Fora / MG.

A live foi transmitida no domingo, dia 20/09/2020 às 17h (horário de Brasília), na página oficial do clã no Facebook, onde está salva! Para acessar a live clique aqui.

Venha participar desse momento conosco. Se quiser, já separe os itens para uma prática mais efetiva. Mas se não puder, não tem problema, a sintonia vale muito mais!

  • 1 vela (roxa, ou, se não for possível, branca);
  • 1 cálice ou copo com uma bebida de sua preferência;
  • 1 papel nunca usado e uma caneta;
  • Um recipiente para fazer a queima do papel;
  • prepare uma refeição gostosa para você e os seus para o final do rito.

Lá an Altaithe (Dia de Ação de Graças) é um festival adaptado pelo LaG para o equinócio que acontece em setembro (Primavera no Hemisfério Sul e Outono no Hemisfério Norte). Como em nossa região, Juiz de Fora / MG, essa é a época de finalização das grandes colheitas, com a chegada das chuvas primaveris, entendemos que o momento é de agradecer pelo ano que tivemos, pela prosperidade alcançada e refletir nos erros cometidos e nos planos que levaremos para o próximo ciclo. Também é momento de refletir nosso papel junto ao meio ambiente, nossa honra, nossa ancestralidade e honrarmos a terra. Por essa razão, celebramos a deusa galesa Cerridwen nesse festival, pois ela guia nossas transformações e nos conduz nos processos de (re)nascimento a partir do nosso interior e amadurecimento. Nada mais digno dedicar esse festival a ela que passou um ano preparando a poção da sabedoria. Celebramos a primavera que desabrocha em flores que traz uma pausa em nosso ciclo agrário local, trazendo as chuvas e as renovações do solo... Momento de festejar e agradecer as bênçãos alcançadas aceitando e honrando as responsabilidades por nossos atos e escolhas no ano que decorre.
 

Como de tradição, o Leanaí an Ghealach Clann - LaG costuma usar esse festival para também fazer um gesto de caridade incentivando a doação para alguma causa e instituição. Geralmente recolhemos alimentos, mas esse ano, com a pandemia, queremos recolher sorriso! Ainda que o alimento seja mais vital do que nunca, mas muitos de nós foram privados de seus lazeres habituais, muitos enfrentaram e enfrentam suas depressões e monstros interno isolados (ainda que conectados) e nossa saúde mental também nos chama atenção.
 

Desse modo, escolhemos a causa de uma amiga do clã que busca apoio coletivo para tratar seus dentes e poder voltar a sorrir sem vergonha, livre e leve! O simbolismo desse ato e a delicadeza dele nos chamou a atenção. Então, convidamos você a ajudar nessa causa, da forma com que puder, clique no link a seguir e contribua! Ajudar o próximo é uma forma de doar e na doação muito se fala em gratidão!


Apoie essa causa conosco: Um Novo Sorriso (apoie clicando aqui)!
 

Nesse rito doméstico, nosso druida fará uma adaptação de nosso Festival cuidadosamente pensada para esse momento delicado da pandemia. Pois, mesmo na pandemia, com todo esse caos, temos vida para celebrar, temos a natureza maravilhosa para honrar e reflexões profundas para aprender.

 

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Dia 08: Deuses e Crenças

 

(Link da imagem)

 

Ávillys mac Mórrigan

 Certamente podemos nos dizer naturalistas de crenças. Acreditamos em um mundo integrado e conecado, em completa simbiose. Além disso, somos animistas (ainda que não tão vividamente como os celtas do passado): tudo é vivo, tudo pulsa, vibra. Somos, em maioria politeístas. Acreditamos em um Outro Mundo que é parte dessa mesma realidade, apenas não nos é alcançável fisicamente. Acreditamos em magia e em um mundo encantado, também habitado pelos feéricos. Acreditamos em vida além da morte e que nossa jornada no além-vida é literalmente uma jornada partilhada nas mesas e salões dos deuses ou nas várias ilhas encantadas do Outro Mundo, onde poderemos viver, festejar, comer, dançar e tudo mais. O plano espiritual não é muito diferente desse, só nos é uma realidade ainda inalcançada (até a morte). Muitos de nós acredita na reencarnação ou na transmigração da alma, mas não temos uma ênfase evolutiva, pois não acreditamos na separação binária ou dual de bom e mal, desevoluído e evoluído, tudo está junto, conectado, face da mesma realidade. Nossa função espiritual é alinhar nossos Caldeirões da Poesia e enche-los.

Já os deuses... Os celtas (e a maioria de nós é) eram politeístas. Cada tribo, reino, nação tinha seu próprio panteão e não havia uma visão de um Deus ou Deusa únicos que fundissem ou unissem todos os demais Deuses como arquétipos de sua unicidade. Igualmente, não era comum que uma tribo cultuasse aos Deuses de outra tribo. Respeitava-se o panteão local conforme a tradição e os ensinamentos (passados de boa a orelha). Haviam apenas cinco Deuses celtas que historicamente estão presente em todas as tribos e nações, chamados de Deuses pan-céticos: Danann, Dagda, Morrigan, Lugh e Brigit.

            
Contudo, nos dias de hoje, com o recomeço do paganismo e a globalização, é comum que alguns grupo optem por aderir o culto a Deuses de diferentes panteões celtas, prática realizada a partir de estudo e de forma honrosa e respeitosa. Mas também há grupos que optam por seguir de maneira histórica e assim cultuar apenas os Deuses da tribo ou nação que segue. Particularmente acredito que ambas as práticas são coerentes, desde que feitas com sinceridade, estudo, respeito e honra.
            
Os Deuses eram cultuados como mestres divinos e seres de sabedoria e poder que excedem incontáveis vezes às humanas. Viviam em terras do Outro Mundo, mas podiam transitar, partilhar e até viver em nossas terras. Suas formas de atuação nesse mundo eram através das forças da natureza e de seus animais totêmicos. Acredita-se que os Deuses podem se transformar nas forças da natureza ou em animais para atuar e viver nesse mundo.
            
A visão celta dos Deuses é descrita de maneira profundamente humanizada. Nossos sábios mestres possuem humores, desejos, se ferem, festejam, sentem dor, ira e prazer. E muito disso ainda nos é passado nos mitos e lendas que chegaram até nós, nos quais os Deuses são descritos com características perfeitamente humanas, vivendo em seu convívio nessa ou em outras terras e, muitas vezes, são aclamados como heróis. O exemplo disso está nas lendas dos Tuatha dé Danann e na conquista de Ériu (Irlanda), onde a tribo da Deusa Danann é conduzida, comandada e governada não apenas por heróis nobres, mas pelos próprios Deuses que fizeram ali sua morada. Isso não é tão surreal se lembrarmos que o véu difere terras e mundos que pertencem fisicamente ao nosso próprio Mundo (Universo), assim o trânsito, inclusive físico, não é algo absurdo. Contudo, com o véu se solidificando, cada vez menos os Deuses vem habitar entre os humanos e cada vez mais nos distanciamos de suas graças, honras e heroísmos.
            
O contato com os Deuses é feito de maneira honrosa e amigável. É possível conversar e indagar as coisas aos Deuses, desde que de forma respeitável, você terá sua resposta e auxílio, basta se atentar aos sinais a sua volta. Outra forma de contatar os Deuses é através de oráculos e vidências. Os Deuses falam e nosso íntimo, o essencial é aprender a ouvir sua voz. A relação honrosa e o culto aos Deuses é uma forma de agradecimento e de estreitamento de laços. Honrar e cultuar os Deuses é uma forma bela e saudável de dizer o nosso “muito grato” a eles. Devemos lembrar que eles controlam nosso destino e o destino de toda existência terrena. São os seres superiores de nosso Mundo, criaturas da Grande Canção, mas também aqueles que zelam e escutam seu tocar.
            
Os Deuses não são autocráticos, mas zeladores do Mundo, mantenedores do equilíbrio universal que permite a existência e a vida. Awen arde intensamente nos Deuses, e através deles nos aproximamos ainda mais de Awen e do Oran Mor. E estar a seu serviço é aprender e adquirir honra e sabedoria, servindo ao equilíbrio.
            
Entre os povos celtas, contam-se mais de cento e cinquenta Deuses. Por essa razão, não dedicarei uma fala sobre cada um deles no momento. O que nos importa dizer é que os Deuses celtas são pré-cristãos, existem e eram cultuado muito antes da datação de Jesus ou da cristianização da Europa. Muitos desses Deuses foram canonizados pela Igreja Católica – como o caso de Brigit que virou Santa Brígida (padroeira da Irlanda –; outros, ao contrário, foram demonizados – como o caso de Cernunnos, cuja forma hibrida de natureza, animal e humana está na base da forma do diabo medieval. Apesar desse triste fato, os Deuses celtas nada têm a ver com os demônios cristãos. Não há culto ao diabo ou a qualquer secto a ele relativo entre as práticas e cultos celtas. Assim como a maioria dos grupos celtas de hoje não cultuam os elementos da cristandade ou o Cristo. Um aprendizado que um culto politeístico semeia é o do respeito a diversidade, não há apenas um caminho possível, há múltiplas verdades e todas são igualmente verdadeira. Dessa forma, o respeito e a honra estão na base do culto, assim como a busca pelo equilíbrio mais do que a noção clássica de “bem contra o mal”. Concomitante, respeitamos, e muitas vezes nos relacionamos intimamente com, a visão wiccana da Deusa (ou Deusa e Deus), mas essa também não é a visão celta sobre as divindades, por mais bases célticas que a Wicca tenha.

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Dia 07: Prática Diária

Altar Geral - Ávillys mac Mórrigan (2017)

 

 Ávillys mac Mórrigan

Esse tema é algo que precisamos realmente nos ater... Druidismo, ou qualquer outra espiritualidade, sem prática são apenas palavras vazias, e damos muito valor às palavras! Praticar é preciso, e não é preciso muito para praticar. 

Recupero aqui a frase inicial do livro A Semente da Bétula, de Marcelo Paschoalin: "Três coisas essenciais a um druida: ESTUDO para colocar ideias na mente, PRÁTICA para transformar essas ideias em ação, e DEVOÇÃO para que essas ações cheguem aos deuses.". E aqui temos três práticas necessárias no Druidismo: estudo, prática espiritual / social, prática devocional. E sim, estudar é uma forma de praticar.

Uma das referências do termos "Druid", seria a raiz "drui" (carvalho - draoí, em irlandês), e assim o druida seria o "homem carvalho" ou o "homem com a sabedoria do carvalho". O carvalho é uma árvore forte, resiliente e sábia, muitas vezes reverenciada como "o rei da floresta", isso porque, para além de sua altivez, ele é longevo e lento. Tem um ciclo de crescimento lento, mostrando que a paciência é o caminho da sabedoria, ou seja, muito (muito) estudo mesmo. Mas chega uma hora que saber não basta! Precisamos praticar o que sabemos, o que aprendemos, o que acreditamos. E essa prática não é apenas ritualística - na verdade é muito pouco ritualística. Essa prática é social, pessoal, íntima, coletiva. Se não praticarmos o Druidismo no nosso dia a dia também como uma filosofia de vida, como podemos nos dizer druidistas e pessoas que honram os deuses? Como honrar algo que não praticamos? Como pregar algo que não está em nossas ações?

Prática diária significa viver diariamente o druidismo, em seus preceitos, gestos, crenças, em um constante aprendizado. Sim, um druidismo nunca para de estudar, de aprender e de reformular (as vezes drasticamente) a si e suas práticas. E esse maior estudo vem da natureza, do mundo, da nossa conexão com o sagrado natural que nos antecede e nos sucederá. Só quando nossas ideias são verdadeiramente praticadas em nosso dia a dia, podemos pensar em uma prática devocional.

E não é preciso muito: agir honrosamente, de acordo com as 9 virtudes (Verdade, Honra, Justiça, Lealdade, Coragem, Generosidade, Hospitalidade, Força e Perseverança), agir respeitando o sagrado onde e como quer que ele se manifeste são práticas diárias muito fortes. Mas com o tempo, nossa prática também passa a ser reverenciar a vida, saudar as oportunides, compreender os desafios, meditar nas dificuldades. E junto com tudo isso, agradecer! E em gratidão ofertamos nossas orações, cantos, alimentos... Em desejo real nos voltamos a nós mesmos ou a nossos altares para celebrar, agradecer, encantar.

Enquanto sacerdotes, devemos entender que sacerdócio não é poder, é serviço. E que atuar para uma comunidade (seja ela bem definida ou não) é estar sempre vinculado, conectado. Não se distingue o sacerdote da pessoa, com o tempo, eles se tornam um só. Contudo, nem todos praticam visando o sacerdócio, há muitos que desejam apenas vivenciar, se devotar ao sagrado. E está tudo bem, não são mais ou menos, apenas vivenciam o chamado de forma diferentes. Esses também não se separam de seu eu religioso (somos um só em todas as nossas facetas), mas vivenciará a fé de forma mais íntima.

Minha prática diária é muito pouco ritualística... Tem mais a ver em viver as verdades druídicas em meu coração (e nisso dizem que sou muito devoto, quando me conhecem mais profundamente, se espantam com o quão religioso sou). Eventualmente, minhas práticas são devotadas ao altar ou em rituais, fazendo oferendas, agradecendo, saudando, encantando. Mas a principal delas é manter minha conexão sempre aberta e estável com o sagrado que reverencio, entendendo seus preceitos e sinais... Ainda que de forma singela, viver uma religiosidade é praticá-la diariamente.


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domingo, 16 de agosto de 2020

Dia 06: Espaços Sagrados

Círculo de ávores

 Ávillys mac Mórrigan

Em primeira resposta eu diria que nossos templos é a própria natureza! Se como disse, no dia 04, a natureza é sagrada faz mais do que sentido que nossos espaços sagrados sejam os campos, os bosques, as florestas, as pradarias, as cachoeiras, os rios, os mares, as praias, os pântanos, os montes e até os desertos. Mas se pensarmos que a Terra é sagrada, então também temos que concordar que onde quer que estejamos é um local sagrado.

Por mais urbanos que sejamos e por mais distantes da natureza que nossas cidades possam parecer, elas fazem parte desse planeta e, portanto, parte da natureza. Então, a meu ver, não existe espaço que não seja ou possa ser sagrado, existe locais em que o homem distorceu em ganância e profanação, criando uma vida ilusoriamente apartada da natureza. Mas para pessoas perceptivas, a natureza está sempre ao redor: no ar que respiramos, na água que tomamos, no céu que está sobre nós, no solo que pisamos, nos pássaros e animais que adentram nossos muros. E toda corrupção pode ser limpa se assim quisermos.

Entenda, não defendo que o urbano é corrompido ou mal. Meu ponto não é esse. Os celtas viviam em vilas, fortalezas e até cidades, e haviam druidas locais desses centros tribais, certamente haviam salões e templos de reunião. Mas a conexão e simbiose com a natureza não era perdida, o sagrado estava dentro, porque também estava fora e quem habitava essas fortalezas sabia que tudo aquilo também era natureza. Inclusive, a dito de curiosidade, os druidas das florestas eram considerados mais poderosos e sábios que os druidas "urbanos". Meu ponto é a necessidade de se reconectar, de romper os muros e entender que também somos natureza.

 Hoje, muitos de nós prestam seus cultos e práticas em casa, e como não dizer que a casa, que o lar não é sagrado? Espaços sagrados são aqueles em que fazemos morada, em que nossos corações repousam (naturais ou urbanos), e se entendermos assim, espaços sagrados também são os locais onde nossos deuses, feéricos e ancestrais fazem sua morada ou encontram seu repouso.

Por essa razão, alguns locais são descritos pelos celtas como pontos de grande poder ou de grande sacralidade, pois seriam a morada (ponto de reunião ou de descanso) dos deuses, dos feéricos e dos ancestrais. Seriam, em muitos pontos, portais entre esse e o Outro Mundo. Mas não que apenas esses locais sejam sagrados. No caso céltico, temos monumentos antigos (construídos pelos predecessores desses povos), as florestas, os montes, os círculos de pedra e os locais naturalmente circulares (clareiras, círculos de cogumelos ou flores). São pontos que pertenciam ou serviam de morada aos povos sagrados (deuses, sídhe e ancestrais), e assim locais de grande sacralidade e poder.

Fairy Ring (Anel de fadas) - Local de encontro ou morada dos feéricos


Navan Fort, Amargh - Irlanda
 

Beltany Stone Circle - Irlanda
 

Brúg na Boine (Newgrange) - Irlanda
 

Stonehenge - Inglaterra
 

E não nos enganemos. Se ouvirmos lendas antigas e nativas, descobriremos locais assim descritos em nossas redondezas. Esses são espaços de peculiar reverência. Mas não que só eles importam. Ao entrar em qualquer espaço, principalmente espaço natural, é comum que nós do Druidismo peçamos "licença", e abençoamos o espaço. É uma cortesia que pressupõe que aquele local é morada de alguém (físico ou espiritual) e assim estaremos ali em partilha e em amizade, e não usurpando ou profanando espaços sagrados para outros povos, seres ou mesmo animais. Essa etiqueta é algo que também temos (ou deveríamos ter) em nossa vida humana, em nossas casas e visitas. É de bom tom pedir licença para estar num espaço que não é seu, e de melhor cortesia ainda abençoar, bendizer o espaço que te acolhe, seguindo as regras e convivências daquele local.

Uma coisa que sempre vou dizer: somos nós que consagramos ou profanamos os espaços, algumas vezes os espaços não nos pertence para profanar, o que torna nossos atos um crime espiritual. Mas se partilharmos da política da boa-vizinhança, lembrando que a natureza é sagrada e que tudo é natureza, certamente estaremos sempre consagrando e honrando as várias moradas do sagrado nesse mundo.

Para além disso, lembremos que nem só grandes construções podem ser moradas. Nossos altares, oratórios e templos são moradas do divino, ainda que pequenos e singelos. 

 

Nemed na bhFianna (clareira ritualística do Leanaí an Ghealach Clann) - Juiz de Fora / MG

 

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sábado, 15 de agosto de 2020

Dia 05: Elementos

 

Imagem por João Eduardo Schleich Uberti
O homem perfeitamente conectado como parte e microcosmos da própria Árvore do Mundo. O homem perfeitamente conectado à Oran Mór (a Grande Canção)

 

 Ávillys mac Mórrigan

Elementos... Elementos são as partes mais básicas de algo, e para falar das partes elementares do Druidismo precisarei dividir esse texto em duas partes: os elementos naturais e os nove dúile.

 Entre os celtas e no Druidismo Moderno, são três os elementos naturais: Ar, Terra e Água, chamados modernamente (a partir do galês) de Nwyfre, Calas, Gwyar (respectivamente). O Fogo não é visto como elemento, ele é a representação da Awen (Imbas). A Awen é a chama sagrada, a inspiração divina, a magia, o espírito universal que a tudo ilumina e transforma. E há uma razão para isso: os elementos estão primeiramente articulados com os Três Reinos. Nwyfre (Ar / sopro) com o Céu, Calas (Terra) com a Terra e Gwyar (Água) com o Mar. Em sequência, pois pássaros podem "habitar" os céus, animais habitam a terra e os peixes habitam o mar, mas nenhum ser vivo habita o fogo. Outra referência é que o fogo é o poder transformação dos três elementos: o fogo liquefaz a terra, evapora a água e consome o ar, ele guia e transforma os demais elementos.

Nesse sentido, Calas (Terra) representa a fixidez, a solidez, a manifestação, a realização o físico. Nwyfre (Ar / sopro) representa a inspiração, o pensamento, a espiritualidade, o sonho, a volatilidade, e o momento. E Gwyar (Água / mar) representa o meio termo, as emoções, a atuação prática, a condução e sucessão, o tempo. Igualmente estão relacionados também às três famílias sagradas: os Deuses (Nwyfre), os Sídhe (Calas), e os Ancestrais (Gwyar).

Já os nove Dúile (segundo a tradição celta-irlandesa) são elementos corporais básicos em correspondência entre o homem e a Terra, elementos de correspondência que regem uma base simbólica de explicação mágico-filosófica da relação corpórea e das funcionalidades básicas do corpo. Se pensarmos em uma medicina celta-irlandesa, possivelmente começaríamos com os dúile como referência.

Não vou entrar em muitos detalhes a respeito deles, pois são reflexões muito amplas para um simples texto introdutório e explicativo. Mas instigarei a curiosidade de vocês através dos nomes e referências a seguir.

1°- Cnaimh (Os ossos): estrutura que sustenta o corpo. Para os celtas os ossos continham a magia de uma pessoa. Correspondem à Cloch (pedra).

2°- Colaind (A carne): estrutura que nos dá forma e possibilita a nossa locomoção. Corresponde à Talamh (Terra).

3°- Gruaigh (A pele / cabelo): são como "antenas", sensores corporais sensíveis ao toque, calor, dor, frio e prazer. Indicadores de saúde e bem-estar. Correspondem às Uaine (árvores e plantas verdes).

4°- Fuil (O sangue): fluido que dá vida ao corpo, é o rio que flui dentro de nós, que nos aquece e reflete nosso estado emocional. Corresponde ao Muir (Mar).

5°- Anal (A respiração / sopro): é a renovação da vida, elemento que promove a limpeza dos sentimentos e o alívio das tensões. Os celtas viam a respiração como o ar que circula no céu. Corresponde ao Gaeth (vento).

6°- Imradud (A mente): é a responsável pela sabedoria do homem, são como as ondas alfas da mente que controlam a natureza ondulatória do pensamento. Corresponde à Ghealach (Lua), que controla os ciclos das marés.

7°- Drech (A face / rosto): responsável por expressar a personalidade e como o mundo as percebe. A coragem, a reputação, a palavra e a honra eram demonstradas visualmente pelos bardos, através da poesia. Corresponde ao Grian (Sol).

8°- Menma (O cérebro): funciona como um computador, responsável por armazenar pensamentos e memórias, o organizador da nossa capacidade mental. Corresponde à Nel (nuvem).

9°- Ceann (A cabeça): era venerada pelos celtas, que acreditavam ser o lugar onde residia toda a essência da personalidade e o poder pessoal de cada um, geralmente, eram trazidas como troféus de guerra ou conservadas em um local nobre. Corresponde ao Neamh (Céu).

 O que se observa ao estudar os Dúile é que eles parecem conectar plenamente as noções cosmológicas em uma compreensão do homem e do mundo enquanto seres completos e correspondentes: Reinos, Elementos, Povos, Caldeirões e Dúile. Percebam:

Terra Média ou Mundo Intermediário
A Árvore do Mundo encontra-se no centro do Mundo, interligando os Três Reinos. A sua frente queima Awen.
Reino
Elemento
Povo
Caldeirão da Poesia
Dúile
Céu
Nwyfre
(sopro / vento / Ar)
Deuses
Coíre Sois
*Drech – Grian (Rosto – Sol)
*Menma – Nel (Cérebro – Nuvem)
*Cean – Neamh (Cabeça – Céu)
Mar
Gwyar
(mar / água)
Ancestrais
Coíre Érmai
*Fuil – Muir (Sangue – Mar)
*Anal – Gaeth (Sopro – Vento)
*Imradud – Ghealach (Mente – Lua)
Terra
Calas
(terra / solo)
Sídhe (fadas)
Coíre Goiriath
*Cnaimh – Cloch (Ossos – Pedra)
*Colaind – Talamh (Carne – Terra)
*Gruaigh – Uaine (Cabelo – Plantas)

Não se preocupe em entender toda a complexidade de informações que essa tabela tem em si em um primeiro momento. Sei que é muita informação. O que desejo que você perceba através dos Dúile e de sua correlação com todos os elementos místicos e cosmológicos do Druidismo é que o homem é visto como um microcosmos do próprio cosmos a que pertence. O homem como a própria Árvore do Mundo, tendo em si todos os elementos: a conexão com os Reinos, a atuação e manutenção dos Elementos, a presença e atuação dos Povos, a constituição dos Caldeirões, e as virtudes dos Dúile. Entender essa relação mística e essa profunda conexão é fundamental para entender a sacralidade do homem, do planeta e do Mundo e é imprescindível para a vivência da espiritualidade celta.

Alcançar essa sabedoria é a base fundamental da essência do homem místico celta, e o ponto de partida da espiritualidade celta. Essa conexão possibilitaria, enfim, ao místico alcançar Awen e por consequência, ouvir a Oran Mór (a Grande Canção).

 “Grove de Aspen
Muitos braços
De uma única raiz
No fundo do útero
Mistério da Mãe
Eles são muitos ou são um?
Responda-me isto:
São muitos ou são um?
Sim, sussurra a Aspen...
Somos muitos e somos um!”
(Poema do Druida Michael R. Gorman apud Rowena A. Seneween)[1]
 
 
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[1] Retirado de Seneween, Rowena A. 3º dia: Terra e Natureza In Templo de Avalon [S. I.]. Disponível em: <http://www.templodeavalon.com/modules/smartsection/item.php?itemid=54>.

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Dia 04: Terra e Natureza

 

(Link da foto)

 Ávillys mac Mórrigan

A natureza era sagrada pelos povos celtas. Isso não temos dúvidas! Os deuses falam através da natureza e dominam suas forças.  Os sídhe (feéricos) habitam lugares naturais e zelam pela natureza. O homem, sem dúvidas, era concebido em integração com o meio-ambiente. Claro que isso é sem romantismos. Os celtas derrubavam árvores, construíam cidades, mudavam a paisagem natural. Mas acredito que isso era feito com consciência ambiental. Os lugares sagrados eram os lugares naturais ou os monumentos de povos anteriores que se acreditam ter sido feito pelos próprios deuses, onde muitos fazem também sua morada.

A consciência de que a natureza é sagrada muda a relação do homem com ela. Você não profana e não destrói de maneira inescrupulosa o local onde seu sagrado mora. Pelos mitos e relatos históricos e arquiológicos, acredito que o homem celta era visto como parte da natureza, nem mais nem menos. E isso muda a relação dele com o meio-ambiente, com os animais. Acredito que essa relação se aproxime muito do q vemos com os indígenas ainda hoje.

A visão animista presente nas sociedades célticas também ajudam nesse sagrado, pois tudo é vivo. A pedra, a montanha, o céu, tudo tem vida! Só uma vida que se manifesta de forma diferente, que interage de forma diferente da nossa. E tendemos a respeitar mais as coisas que consideramos vivas do que aquelas que objetificamos. 

Não podemos, entretanto, dizer categoricamente que os celtas tinham a compreensão do mundo, do planeta Terra... Sabemos que o Outro Mundo é, muitas vezes, referido como parte desse mundo, uma continuação a oeste... Mas daí a pressupor uma noção planetária ou não, é difícil dizer. Não nos chegou nem mesmo um mito de criação legitimamente celta que não se refira a criação de terras, monumentos ou espaços específicos. Contudo, há outros indícios a procurar...

Não dá para olharmos os povos do passado e pressupor que tivessem o mesmo pensamento filosófico ou compreensão de mundo que temos hoje. Certamente eles desconheciam a noção planetária como temos hoje em toda a teoria cósmica da ciência moderna. Mas não acredito que (especialmente os gaélicos a quem me detenho mais) não tinham uma compreensão de mundo e talvez uma visão da Terra como sendo uma coisa só, ou um único mundo! E vamos em direção a isso.

Cailleach, a deusa gaélica do inverno tem outros atributos e epítetos. Ela também está relacionada a soberania, a terra, a magia, a transformação, as estações e a vida e morte. Na Irlanda, muitos acreditam que a imagem de Sheela na Gig seja uma referência ou um epíteto a ela, que assim seria chamada também de A Parideira do Mundo (Sheela na Gig). Outro epíteto escocês dado a ela é como Mag Moullach (Momu), que poderia ser traduzido como Grande Mãe da Terra ou Grande Mãe Terra. Na Irlanda ela já é chamada também de Seanmáthair Mór (ou apenas Máthair Mór), a Grande Avó. É dito que, na Escócia, que sua capa seria a própria terra escocesa e que são os cuidados com sua capa que guiam ou mudam as estações.

Por esse indício, não seria errado conjecturar que alguns gaélicos podiam ver Cailleach como uma Mãe Terra. Outras deidades também podem ser referenciadas dessa forma, como Anu (a mãe de leite dos deuses Irlandeses, cujos seios seriam dois montes gêmeos na Irlanda chamados de "Os Seios de Anu); ou, mais modernamente, a própria Danu na visão e crença popular de algumas pessoas da Espiritualidade Céltica.

Apesar de ser conjecturas com possibilidades bem concretas de interpretações, podemos nos concentrar no fato de que toda religiosidade e espiritualidade precisa estar atualizada para seu tempo para ser efetivamente vivenciada. Hoje em dia, ecologicamente falando, é quase impossível pensar na Terra como um planeta inanimado. A Teoria de Gaia (teoria científica que aponta para o planeta como um organismo vivo) está aí para nos mostrar isso. Mesmo que pressupomos que os celtas não tivesse uma Deusa-Terra, uma "Gaia", o Druidismo moderno certamente absorve esse pensamento de que a Terra é sim um organismo vivo do qual todos fazemos parte. E podemos nos basear nisso ao entender os 9 Dúile, ao compreender que tudo tem vida, tudo é animado e ao olhar para os estudos científicos de nosso planeta.

Isso não nos coloca para endeuza-lo de maneira abosluta (até porque, na espiritualidade céltica acho que nada seria em si absoluto, talvez a Oran Mór), mas nos faz compreender que nossa vida é integrada a desse grande organismo, se não cuidamos dele, estaremos destruindo a nós no futuro. Se a natureza é sagrada, então nosso planeta é sagrado, o Universo é sagrado.

Portanto, viver o Druidismo hoje é viver em consciência de que estamos em um mundo sagrado em sua natureza, vivo em todas as coisas, único em sua existência. Ou seja, é viver espiritualmente uma vida o mais ecologicamente consciente possível, na tentativa de termos uma vida simbiótica e sagrada com o planeta e não corrompida ou depreciativa.

A Terra e a Natureza são tudo para o Druidismo, efetivamente é nosso primeiro destino de culto, em nossos festivais anuais de agradecimento e culto aos ciclos e estações terrenas, em celebração a prosperidade e fertilidade da Terra. A natureza é linda, divina para aqueles que a olham com atenção, e nós reconhecemos, celebramos isso! É a Terra que nos garante soberania!

Gostaria de finalizar esse texto com uma citação do Philip Carr-Gomm (OBOD) em seu livro "What do druids believe?", em tradução livre:

"É fácil interpretar Paz e Amor como qualidades "suaves" ou passivas, mas o Druidismo oferece uma maneira de se reconectar a esses valores que os tornam potentes e proativos, e os traduz em ações específicas em nossas vidas cotidianas. A Rede da Vida e a Ilusão da Separação tecida em grande parte do pensamento druida e toda a sua prática é a crença de que estamos todos conectados em um universo que é essencialmente benigno por não existirmos como seres isolados que precisam lutar para sobreviver mundo cruel. Em vez disso, somos vistos como parte de uma grande teia ou tecido da vida que inclui todos os seres vivos e toda a Criação. Esta é essencialmente uma visão panteísta da vida, que vê toda a Natureza como sagrada e interconectada. Essa visão se tornou popular, recentemente, graças ao trabalho de James Lovelock, cuja hipótese de Gaia sugere que o planeta é um ser vivo, funcionando como um organismo único que mantém as condições necessárias para sua sobrevivência. Os vários processos que ocorrem na Terra - físico, químico, geológico e biológico - são vistos como interconectados, afetando um ao outro em um processo contínuo de troca e relacionamento. Durante a década de 1980, a hipótese de Gaia, juntamente com teorias propostas por físicos quânticos como Fritjof Capra, começaram a adicionar perspectivas científicas a uma teoria que muitos acreditavam ter sido articulada um século antes pelo líder nativo americano Chief Seattle. As palavras comoventes atribuídas a ele inspiraram pessoas em todo o mundo e as despertaram para a idéia de interconectividade." 

 

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quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Dia 03: Três Reinos

 

(Link da imagem)

 Ávillys mac Mórrigan

Novamente, optei por reutilizar um texto antigo, de 2016, feito por mim. Isso porque o texto explica em perfeição o que penso e trabalho quando falo dos Três Reinos... Mas farei algumas correções pontuais.

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Neamh nglas, muir más, talamh cé.”
“Céu azul, belo Mar, Terra presente.”
(Invocação de Blathmac mac Cú Brettan)

Para os celtas, especialmente os irlandeses, o mundo seria composto por Três Reinos: o Céu sobre nossas cabeças, a Terra sob nossos pés, e o Mar que nos rodeia. E assim, tudo o que existe, pertence a um dos reinos.[1] Não nos é difícil entender porque dessa relação muito presente sobretudo nos celtas irlandeses: a Irlanda é uma ilha com um céu sobre ela, uma terra firme para pisar e um gigantesco mar circundante. Mas se formos parar para pensar, tudo o que existe não é assim? Não seria o espaço sideral uma prorrogação de nosso circundante mar nos conduzindo a outras terras (deferentes da nossa mas igual em existência)?

Desse modo, o Céu é o Reino de Nwyfre, do Ar, Reino dos Deuses e dos animais que voam e planam. É do Céu que vem a inspiração e o contato com os Deuses. Ele é o nosso Reino Acima.

A Terra é o Reino de Calas, da Terra, Reino dos Espíritos da Natureza (as fadas que vivem entre nós), dos homens e dos animais que andam e rastejam. É da Terra que vem a sustentação, e o caminho para o desenvolvimento. Ele é nosso Reino do Meio.

O Mar é o Reino de Gwyar, do Mar (das águas), Reino dos Ancestrais e das fadas (as que não vivem entre nós), dos animais que nadam e mergulham. É do Mar que vem as provações, a condução e os sentimentos. Ele é nosso Reino Abaixo e ao Redor.
            
No centro do Mundo (axis mundi) encontra-se então a Árvore do Mundo, aquela que conecta e mantém os Três Reinos. Para os celtas essa árvore é um freixo com galhos altivos que alcançam os céus, tronco firme que sustenta a terra e raízes profundas que alcançam o mar (as águas). Na sua frente queima a Awen (ou Imbas), o fogo sagrado.

Que o céu caia e me esmague, que o mar se erga e me afogue, que a terra se abra e me engula se eu quebrar esse juramento.
(juramento irlandês)

E eis um juramento muito respeitado e de grande poder entre os celtas irlandeses. Seu maior temor era exatamente esse cenário apocalíptico em que o desequilíbrio (talvez o fim da Árvore do Mundo) levasse ao caos entre os reinos, fazendo o Céu cair, o Mar invadir a Terra e a Terra se abrir.


“Não sei qual o meu destino.
Viajo para muito longe das ondas.
Procuro minha alma, onde ela está?
Eu olho a estrela para me guiar de volta.

Há uma ilha no oeste,
Terra sob o Céu e sobre o Mar,
Viajo para muito longe em minha busca.
Procuro um guia para me conduzir.

Um ramo de prata em minha mão
Com flor de cristal e fruto dourado,
A mãe árvore cresce na praia;
É lá que eu devo encontrar minha raiz.

Há uma ilha no mar,
Onde as águas fluem e o alimento dá a vida,
Onde não há inimigo, onde o amor é livre.
Procuro um lugar onde não aja contenda.

Eu olho a estrela para me guiar para casa,
Encontro o repouso da minha alma e meu espírito,
Viajei muito além das ondas,
Pois não há fim em minha busca.”

(poema de Catlín Mathews para a travessia da alma apud Rowena A. Seneween)[2]

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[1] Particularmente eu articulo os reinos igualmente como Acima, ao Meio e Abaixo, seguindo a seguinte ordem: Céu acima, Terra ao meio, Mar abaixo. Minha justificativa é simples: uma árvore possuí seus galhos altivos no céu, seu tronco está na terra, e suas raízes profundas buscam água. Mas conheço e reconheço outras vertentes que, por exemplo, articulam Céu acima, Mar ao meio, Terra abaixo, usando duas justificativas: a primeira relacionada ao fato de que pisamos sobre a terra, por isso ela estaria abaixo de nós; o mar nos circunda, o que dá uma ideia de meio. A segunda justificativa que corrobora com essa visão são as articulações dos caldeirões: Coíre Sois, na cabeça, se articula com o Céu; Coíre Ermaí, no peito, se articula com o Mar; e Coíre Goíriath, no ventre, se articula com a Terra. Vejo profunda coerência nessa vertente. Mas eu particularmente, tendo a entender que a posição dos Reinos não interfira em sua atuação. O Mar, mesmo abaixo nos circunda. Referências mitológicas como a Terra Sob as Ondas (lar dos ancestrais) também me fazem pensar no Mar como abaixo. Por fim, se recriarmos a ideia cosmológicas dos Três Mundos estando nós habitando o intermediário, seria fácil presumir que também habitemos o Reino Intermediário. Mas essa é uma reflexão extensa e que creio ser insolúvel. Faço aqui uso das palavras de Bellouesus para mim no VI EBDRC: “se dá certo para você, então está certo”. Estude e escolha sua perspectiva, se ela for coerente e funcionar, viva-a.
[2] Retirado de Seneween, Rowena A. 4º dia: Três Reinos In Templo de Avalon [S. I.]. Disponível em: <http://www.templodeavalon.com/modules/smartsection/item.php?itemid=55>.

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Dia 02: Cosmologia

 

(Link da Imagem)

Ávillys mac Mórrigan

 Eu confesso que já tinha escrito esse texto antes... Logo quando fiz os 30 dias druídicos pela primeira vez em 2015. Ele chegou a ser postado aqui no blog, mas dado o momento... estou repostando, até porque minha visão quanto ao assunto não mudou, se aprofundou, mas permanece fiel a esse ensaio.

Deixo aqui a atualização... Ainda hoje nenhum mito conseguiu ser mais simples, profundo e complexo do que o mito criacional da Oran Mór (a Grande Canção), que pode ser expresso em total verdade e clareza por essas duas frases: "existia o nada e o vazio e, um dia, a Música tocou!"

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Se aprofundar na cosmologia celta é adentrar nas brumas do tempo, e espiralar por um passado longínquo praticamente inacessível.

Os celtas não deixaram registros escritos até muito recente em nossa história. Os poucos registros se remetem em sua maioria a um período em que a fé celta estava cristianizada ou em vias de sua cristianização. Compreender e ir mais fundo nos mistérios celtas requer uma habilidade especial: saber olhar o pouco que temos disponível como migalhas de pão de um caminho rumo a floresta, rumo ao sagrado. Um sagrado que precisa ser sentido para ser compreendido e que dificilmente pode ser explicado por palavras modernas.

Parte desses mistérios e conhecimentos perdidos nas brumas do tempo estão aqueles que se remetem ao mito de criação celta. É comum que as religiões tenham seus mitos cosmogônicos, as lendas e histórias que remetem ao princípio de tudo. Assim como seus mitos escatológicos, que nos levam até o fim dos tempos. Contudo, os celtas não. O que sabemos é que a grande crença celta vive no ciclo infinito. E talvez esse ciclo nos remeta a uma ideia de eternidade e perenidade.

Mas podemos achar algo que pode, e deve, ser tomado como mito criacional. Os druidistas mais contemporâneos descreveram uma Oran Mor (Grande Canção). A Oran Mor seria nada mais que a melodia criacional, a inspiração que tudo criou. Então tudo surgiu da música, tudo é música, e tudo se desenvolve pela música. A inspiração criacional diz exatamente o que o nome quer dizer: a respiração. A Oran Mor pode ser entendida como o som da respiração cósmica que criou a tudo, um organismo universal que começa sua respiração. Por isso, ela pode ser sentida no barulho das ondas do mar, que imitam o movimento e som de uma respiração. Mas ela também pode ser ouvida no toque do tambor, que imita o batimento cardíaco.

Isso tudo ainda é pouco. Escutar a Grande Canção é uma tarefa difícil praticamente impossível. Mas podemos harmonizarmos com ela, sentir seu fluxo e nos unirmos a ele, entrando num estágio de harmonia com tudo o que existe.

E assim, os celtas falam de Três Mundos: o mundo acima, mundo celestial; o mundo intermediário (a Terra Média); e o submundo. O mágico na compreensão celta é que não há nenhuma hierarquia entre os Três Mundos. Eles coexistem harmonicamente, e assim o que está acima não necessariamente é melhor do que os que estão abaixo. E eis que o centro também simboliza o fogo, a poesia e a criação, o centro é a Oran Mor.

Dessa forma, portanto, é da música que tudo vem, pela música que tudo flui. É a Grande Canção que move o mundo.

Nosso planeta faz parte dessa música, desse ser cósmico e sagrado. Faz parte e é a Terra Média ou o Mundo Intermediário. Dessa forma, ele é sagrado, assim como tudo que há nele. Há nos celtas um respeito primordial e inquestionável pela Natureza e pelo mundo em que vivemos. A Terra é nossa Mãe, mas também é parte de nós e nós dela. Essa simbiose harmônica deve ser mantida de maneira honrosa. Entender, sentir e honrar o sagrado em nosso mundo também é uma tarefa essencial na fé celta. Esse honrar não deve ser entendido como uma submissão e servidão, mas como respeito.

A Terra também possui Três Reinos: O Céu, a Terra e o Mar. Cada reino representa um elemento sagrado e é ponto de conexão com outros mundos.

O Céu, representa Nwyfre, o sopro divino, o ar e o próprio céu acima de nós. Assim, o céu, acima de nós, representa a luz, a inspiração sagrada e os Deuses.

O Mar está em nosso horizonte, representa Gwyar, as águas e o próprio mar ao nosso redor. Representa, portanto, as emoções, os seres feéricos e os ancestrais.

Já a Terra, está sob os nossos pés e, eu a considero, no meio entre os reinos – uma recriação dos Três Mundos Cósmicos. A Terra representa o Calas, a terra que nos sustenta. Representa as raízes, o solo, e os seres da natureza.

No real centro dos Três Reinos, encontra-se o Bosque Sagrado onde o Fogo queima no Poço da Sabedoria sob a Árvore da Vida. É a esse bosque que todas as vivências e rituais devem transportar. A Árvore da Vida é o símbolo que conecta os Reinos e os Mundos: com seu tronco no mundo do meio, no reino terreno; suas profundas raízes que atingem as águas e o submundo; e com seus longos e altos galhos que tocam o céu e alcançam o mundo celestial.

E dessa forma, toda árvore é sagrada, ao ser um ponto de contato com os Três Reinos e com os Três Mundos. E toda existência está inserida no mundo sagrado, de maneira que tudo é sagrado e tudo flui conforme a Grande Canção.

Um lindo poema, de Caítlin Mathews, encontrado no site Templo de Avalon, resume os Três Reinos e nossa conexão com eles:

"Não sei qual o meu destino.
Viajo para muito longe das ondas.
Procuro minha alma, onde ela está?
Eu olho a estrela para me guiar de volta.

Há uma ilha no oeste,
Terra sob o Céu e sobre o Mar,
Viajo para muito longe em minha busca.
Procuro um guia para me conduzir.

Um ramo de prata em minha mão
Com flor de cristal e fruto dourado,
A mãe árvore cresce na praia;
É lá que eu devo encontrar minha raiz.

Há uma ilha no mar,
Onde as águas fluem e o alimento dá a vida,
Onde não há inimigo, onde o amor é livre.
Procuro um lugar onde não aja contenda.

Eu olho a estrela para me guiar para casa,
Encontro o repouso da minha alma e meu espírito,
Viajei muito além das ondas,
Pois não há fim em minha busca."

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