segunda-feira, 15 de abril de 2019

Panteão Clânico - Parte 4: A deusa Arianrhod

Os textos dessa série serão escritos sempre pelo nosso druida, Ávillys d'Avalon, e assim trazem as percepções, estudos e compreensões do druida e de nossas práticas clânicas, muitas vezes com um caráter profundo de gnose pessoal, ou seja, não dependendo muito de referências bibliográficas específicas. Muitas das bibliografias sobre os deuses celtas são profundamente pessoais e subjetivas já que os druidas do passado não nos deixaram efetivamente nenhum texto escrito ou orientação fundamental. 


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Por Ávillys d'Avalon.
 
Arianrhod é uma grande deusa galesa. Seus mitos estão escritos no Mabinogion, um manuscrito medieval de mitos e histórias do País de Gales. Obviamente, o manuscrito foi contaminado por influências cristãs que moldaram certas percepções da deusa em si, para adequá-las ao papel de subserviência feminina. Entretanto, Arianrhod é uma das grandes deusas empoderadas que encorajam o empoderamento feminino.

Classicamente é referenciada como “a deusa celta da lua”, mas esse título é errôneo. Ainda que não haja nenhuma referência que terminantemente diga que ela não é deusa da lua, seus textos também não fazem referências ao satélite natural. Na verdade, não há registros nos dias atuais de um deus ou deusa celta da lua. Arianrhod é detentora de uma roda prateada (costumeiramente confundida com a lua), mas sua roda é uma roca por onde rege e tece os destinos. Sua morada é o Caer Arianrhod, uma fortaleza localizada nas estrelas, associado à constelação da Corona Borealis.

Assim, Arianrhod é a Deusa Estrelada, senhora dos céus, do Outro Mundo. Deusa da sabedoria, do renascimento, da fertilidade, da transformação e das iniciações. É uma deusa soberana, profundamente associada a iniciação dos mistérios femininos, mas não só, ela rege todos os mistérios.

O mito de Arianrhod nos conta que o rei Math ab Mathonwy havia recebido uma maldição: em tempos de paz, seus pés deveria repousar sobre o útero de uma virgem para que ele permanecesse vivo. Como a virgem responsável por essa tarefa iria se casar, Gwydion, conselheiro do rei, sugeriu que sua irmã, Arianrhod, assumisse o posto sustentando os pés do rei.

Para evitar uma catástrofe, a donzela deveria ser testada pelo cajado do mago Gwydion a respeito de sua virgindade. Quando Anrianrhod foi testada por seu irmão, apesar de ainda virgem, ela deu a luz a gêmeos: Llew Low Gyffes e Dylan. O primeiro a nascer foi Dylan, que escorregou e caiu no mar sendo criado por Manadweydan. O segundo, ficou no salão e foi amaldiçoado pela deusa.
Arianrhod lançou ao segundo filho três severas maldições. A primeira de que ele jamais receberia um nome, pois ela não o nomearia. A segunda de que ele jamais poderia ser armado. A terceira de que ele jamais desposaria uma mulher desse mundo. Após isso, enfurecida, a deusa se retirou para sua fortaleza.

O segundo filho foi criado por Gwyndion e quando o garoto tinha certa idade, o mago resolveu reverter a primeira maldição. Através de um encanto, mudou sua aparência e a do garoto, e o levou até os terrenos de Arianrhod. Lá enquanto Gwyndion disfarçado conversava com a deusa, o garoto brincava, acertando com precisão todas as pedras lançadas, o que levou Arianrhod a exclamar: “llew” (“brilhante”), rompendo o disfarce e mostrando sua trapaça, Gwydion conseguiu quebrar a primeira maldição, nomeando o rapaz do nome a ele referido por sua mãe: Llew.

Quando mais velho, Llew era excelente comandante e estrategista de guerra, mas não podia manusear armas, já que fora proibido por sua mãe e descumprir tal proibição poderia causar grande infortúnio. Vendo a tristeza do garoto, mais uma vez, seu tio buscou quebrar a segunda maldição. Em um novo encanto e disfarce, dessa vez de comerciante, os dois foram visitar a fortaleza de Arianrhod e pediram abrigo para pernoite. Durante a noite, Gwydion usou de encantos e magias para criar uma ilusão marítima de que a fortaleza estava sob iminente ataque e assim, aconselhou à grande senhora a “armar seu assistente, pois ele era muito versado militarmente”, e assim, Arianrhod rompeu sua segunda maldição armando o filho.

Por fim, não havia muito o que fazer para quebrar a terceira maldição, já que ela era bem específica: “nenhuma mulher desse mundo”. Após anos de reflexão vendo a tristeza do sobrinho em busca de um amor, Gwydion chegou a conclusão de que precisava dar a Llew uma mulher que não fosse desse mundo. Assim, ele colheu nove flores de rara beleza e delas criou a mais bela de todas as mulheres, Bloddewed, e ela tornou-se esposa de Llew.

Apesar dessa história dar um ar cruel a deusa, temos que reler essa história limpando os traços de tentativa de sobreposição da figura masculina sobre a feminina. Arianrhod é uma deusa feminina, forte e empoderada, que certamente não era bem vista no cristianismo. Por isso, proponho uma releitura.

A indicação de Gwydion para que a irmã sustentasse os pés de Math, mostra uma clara tentativa de rebaixamento da mulher, uma posição humilhante de subserviência, a qual deveria ser comprovada e testada pelo próprio conselheiro. Arianrhod se mostra imprópria para essa tarefa por seu poder de fertilidade, de supremacia, por seu empoderamento... E ela lança sobre o filho que ela não pediu para ter três desafios ou restrições que visavam tirar dele essa pretença supremacia.

Gwydion supera a irmã através da trapaça, mas é graças aos feitos dela de Llew pode prosperar e se tornar um dos mais valorosos e talentosos deuses. Arianrhod fora a controladora do destino e sua grande iniciadora em suas fases da vida: infância através da nomeação, adolescência através do armamento, vida adulta através da busca pela esposa ideal.

Arianrhod é líder, soberana e rainha de sua própria fortaleza. A essa deusa é dado o poder de tecer a trama e os destinos dos homens, ou seja, é pelas mulheres empoderadas que o destino dos homens é tecido e guiado. É ela quem controla nossos ciclos de vida, nossos destinos, nos iniciando e preparando para cada momento de nossas vidas. Ela é a guardiã dos mistérios mais profundos e sagrados, e aquela que abre as portas de nossas mentes para a sabedoria e a compreensão.

Arianrhod, não é uma deusa para qualquer culto ou pessoa. Passar pelas iniciações e mistérios conduzidos pela deusa, certamente mudará completamente você, sem chance de volta. E não será uma jornada fácil, você precisará mostrar seu valor. E a medida que seu amadurecimento, compreensão e transformação forem acontecendo, Arianrhod abrirá ainda mais as portas da sabedoria e dos mistérios profundos para você, te iniciando em novas jornadas, em novos ciclos. Mas um alerta cabe ser dado, para seguir na Roda de Prata da deusa, não se poderá permanecer aterrado, atado às coisas temporais, a abnegação é um dom necessário para a transformação.

Digo apenas que apenas o contato com essa deusa é capaz de fazer jus e descrever profundamente quem ela é e sua grandiosidade.

Sugestão de leituras: