sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Panteão Clânico - Parte 11: a deusa Cailleach

Os textos dessa série serão escritos sempre pelo nosso druida, Ávillys d'Avalon, e assim trazem as percepções, estudos e compreensões do druida e de nossas práticas clânicas, muitas vezes com um caráter profundo de gnose pessoal, ou seja, não dependendo muito de referências bibliográficas específicas. Muitas das bibliografias sobre os deuses celtas são profundamente pessoais e subjetivas já que os druidas do passado não nos deixaram efetivamente nenhum texto escrito ou orientação fundamental.


Link da imagem

 Por Ávillys mac Morrigan.

Cailleach é uma deusa irlandesa e escocesa também conhecida como Beara, Bheur, Beira (esse último nome português o que faz-se acreditar que ela possa também ter sido cultuada em Portugal). Ela é uma antiga deusa da terra. Teria sido ela a criadora das terras da escocesas a partir de pedras que caíam de seu cesto. O Lago Ness teria sido criado por displicência de sua serva, Nessa, que esquecera de tampar o poço d'água no final do dia e, com surgimento da lua, o poço inundou o local matando Nessa e formando o lago. Era descrito que sua capa era a própria Escócia, que no passado era chamada de Caledonia (Terra de Cailleach), e que na entrada do inverno, Cailleach lavava sua capa (tempestades) tornando-a branca novamente (neve). Na Irlanda ela está associada com "Sliabh na Cailleach" (Loughcrew), um local famoso por seus megalitos alinhados com os equinócios (disponível em fotos), onde acredita-se estar localizado o trono dessa deusa.

Lago Ness - Escócia. (Link da Imagem)

Loughcrew - Irlanda. Assento de Cailleach (Link da Imagem)
 
Cailleach é uma deusa muito antiga, em alguns mitos é referenciada como a primeira ancestral e assim ganha alguns epítetos como "Grande Avó, "Velha Senhora", "Velha Esposa", "Bruxa" e "Sheela na Gig" (A Parideira do Mundo). Dessa última o culto popular na Irlanda foi inclusive cristianizado na imagem de Santa Elen (que teria sido possível esposa de São Patrício). Nas igrejas, as imagens clássicas atribuídas a Sheela na Gig (Cailleach), na qual a deusa estaria de pernas abertas abrindo sua vagina com as mãos para parir o mundo, era classicamente vista como alegoria a Santa Elen. Parte desse casamento com São Patrício, é atribuído pois, na Irlanda, os reis ao serem coroados deveriam se casar com a Terra, com Cailleach, mostrando seu primeiro compromisso para com a terra e o povo, secundário a todo restante (evento chamado de O Grande Casamento). Portanto, Cailleach garantia a soberania do governo de um rei enquanto ele lhe fosse fiel. Acredita-se que o casamento de São Patrício com Sheela na Gig (depois associada a sua esposa física, Santa Elen) era uma forma mítica de lhe garantir autoridade. Em algumas versões, Cailleach seria a primeira da linhagem fomoriana, já em outras ela pertence a uma linhagem completamente diferente de todas as outras. No fundo, essa é uma deusa muito antiga, ctônica, que é representada pelas forças indomadas da natureza, da existência. No caso de Cailleach, para o LaG, ela representa a vida e a morte, bem como o próprio tempo.
 
Sheela na Gig (Link da Imagem)

Cailleach (Link da Imagem)

Contudo, Cailleach não é uma deusa tão branda. Como grande ancestral, ela representa uma linhagem de deuses que seriam a manifestação das próprias forças da natureza, indomada, perene. O que chamamos de deuses ctônicos. E Cailleach também é a morte. Ela também é as tempestades de inverno, devastadora e profunda. Ela bate seu martelo no chão trazendo a neve e, onde seu martelo repousa, não cresce plantas. Ela é o próprio tempo que a tudo cria e a tudo devora. Em Samhain, Cailleach assume sua face anciã e anuncia a chegada do período da morte, da renovação do ciclo. Sua descrição é brutal. A Cailleach anciã de Samhain é descrita como tendo a pele azulada pela podridão da morte e do frio, possuindo um único olho sobre a testa que a tudo vê, seus cabelos são verdes e mofados, ela tem garras de urso e dentes de lobo. Mas ela não é sempre assim, na primavera ela também se torna a Jovem Noiva.
 
Cailleach (link da imagem)

Em muitas representações, Cailleach é todo o ciclo. Sua capa (a terra) marca as estações e a própria deusa bebe das águas do Poço da Juventude na primavera, se rejuvenescendo até se tornar novamente anciã no Samhain. Em outras, ela é eternamente o inverno e a morte, que adormece em sua caverna durante o restante do ciclo. Para nós, ela é o tempo, as estações, os ciclos e a terra. Ela é o início e o fim, a vida e a morte. E por isso ela é honrada pelo clã em Samhain.
 
Cailleach (link da imagem)
Ela é uma deusa de poucos registros e de poucas referências nos mitos, seu contato é sempre profundo e intenso e suas graças podem ser sentidas por aqueles que caminham com honra. Ela representa nosso lado sombra, oculto, profundo e antigo. Por essa razão, é uma deusa muito temida e associada ao inverno, momento de introspecção. Momento esse que nós do LaG reconhecemos bater mais com nosso período chuvoso e tempestuoso do que com nosso inverno tropical, nesse sentido, ela é cultuada nas épocas de grande chuvas e tempestades, como regente do poder transformador que erode o solo, fazendo a semente profunda, germinar finalmente. Ao mesmo passo, essa erosão leva embora o que não é firme, o que não é estável, o que não mais deve ficar ali, permitindo que o novo desabroche. Lidar com essa deusa é se permitir entrar no mais profundo de seu ser, aceitá-lo, compreendê-lo e transformá-lo. Um ciclo de morte e renascimento.