quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Dia 03: Três Reinos

 

(Link da imagem)

 Ávillys mac Mórrigan

Novamente, optei por reutilizar um texto antigo, de 2016, feito por mim. Isso porque o texto explica em perfeição o que penso e trabalho quando falo dos Três Reinos... Mas farei algumas correções pontuais.

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Neamh nglas, muir más, talamh cé.”
“Céu azul, belo Mar, Terra presente.”
(Invocação de Blathmac mac Cú Brettan)

Para os celtas, especialmente os irlandeses, o mundo seria composto por Três Reinos: o Céu sobre nossas cabeças, a Terra sob nossos pés, e o Mar que nos rodeia. E assim, tudo o que existe, pertence a um dos reinos.[1] Não nos é difícil entender porque dessa relação muito presente sobretudo nos celtas irlandeses: a Irlanda é uma ilha com um céu sobre ela, uma terra firme para pisar e um gigantesco mar circundante. Mas se formos parar para pensar, tudo o que existe não é assim? Não seria o espaço sideral uma prorrogação de nosso circundante mar nos conduzindo a outras terras (deferentes da nossa mas igual em existência)?

Desse modo, o Céu é o Reino de Nwyfre, do Ar, Reino dos Deuses e dos animais que voam e planam. É do Céu que vem a inspiração e o contato com os Deuses. Ele é o nosso Reino Acima.

A Terra é o Reino de Calas, da Terra, Reino dos Espíritos da Natureza (as fadas que vivem entre nós), dos homens e dos animais que andam e rastejam. É da Terra que vem a sustentação, e o caminho para o desenvolvimento. Ele é nosso Reino do Meio.

O Mar é o Reino de Gwyar, do Mar (das águas), Reino dos Ancestrais e das fadas (as que não vivem entre nós), dos animais que nadam e mergulham. É do Mar que vem as provações, a condução e os sentimentos. Ele é nosso Reino Abaixo e ao Redor.
            
No centro do Mundo (axis mundi) encontra-se então a Árvore do Mundo, aquela que conecta e mantém os Três Reinos. Para os celtas essa árvore é um freixo com galhos altivos que alcançam os céus, tronco firme que sustenta a terra e raízes profundas que alcançam o mar (as águas). Na sua frente queima a Awen (ou Imbas), o fogo sagrado.

Que o céu caia e me esmague, que o mar se erga e me afogue, que a terra se abra e me engula se eu quebrar esse juramento.
(juramento irlandês)

E eis um juramento muito respeitado e de grande poder entre os celtas irlandeses. Seu maior temor era exatamente esse cenário apocalíptico em que o desequilíbrio (talvez o fim da Árvore do Mundo) levasse ao caos entre os reinos, fazendo o Céu cair, o Mar invadir a Terra e a Terra se abrir.


“Não sei qual o meu destino.
Viajo para muito longe das ondas.
Procuro minha alma, onde ela está?
Eu olho a estrela para me guiar de volta.

Há uma ilha no oeste,
Terra sob o Céu e sobre o Mar,
Viajo para muito longe em minha busca.
Procuro um guia para me conduzir.

Um ramo de prata em minha mão
Com flor de cristal e fruto dourado,
A mãe árvore cresce na praia;
É lá que eu devo encontrar minha raiz.

Há uma ilha no mar,
Onde as águas fluem e o alimento dá a vida,
Onde não há inimigo, onde o amor é livre.
Procuro um lugar onde não aja contenda.

Eu olho a estrela para me guiar para casa,
Encontro o repouso da minha alma e meu espírito,
Viajei muito além das ondas,
Pois não há fim em minha busca.”

(poema de Catlín Mathews para a travessia da alma apud Rowena A. Seneween)[2]

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[1] Particularmente eu articulo os reinos igualmente como Acima, ao Meio e Abaixo, seguindo a seguinte ordem: Céu acima, Terra ao meio, Mar abaixo. Minha justificativa é simples: uma árvore possuí seus galhos altivos no céu, seu tronco está na terra, e suas raízes profundas buscam água. Mas conheço e reconheço outras vertentes que, por exemplo, articulam Céu acima, Mar ao meio, Terra abaixo, usando duas justificativas: a primeira relacionada ao fato de que pisamos sobre a terra, por isso ela estaria abaixo de nós; o mar nos circunda, o que dá uma ideia de meio. A segunda justificativa que corrobora com essa visão são as articulações dos caldeirões: Coíre Sois, na cabeça, se articula com o Céu; Coíre Ermaí, no peito, se articula com o Mar; e Coíre Goíriath, no ventre, se articula com a Terra. Vejo profunda coerência nessa vertente. Mas eu particularmente, tendo a entender que a posição dos Reinos não interfira em sua atuação. O Mar, mesmo abaixo nos circunda. Referências mitológicas como a Terra Sob as Ondas (lar dos ancestrais) também me fazem pensar no Mar como abaixo. Por fim, se recriarmos a ideia cosmológicas dos Três Mundos estando nós habitando o intermediário, seria fácil presumir que também habitemos o Reino Intermediário. Mas essa é uma reflexão extensa e que creio ser insolúvel. Faço aqui uso das palavras de Bellouesus para mim no VI EBDRC: “se dá certo para você, então está certo”. Estude e escolha sua perspectiva, se ela for coerente e funcionar, viva-a.
[2] Retirado de Seneween, Rowena A. 4º dia: Três Reinos In Templo de Avalon [S. I.]. Disponível em: <http://www.templodeavalon.com/modules/smartsection/item.php?itemid=55>.