terça-feira, 11 de agosto de 2020

Dia 02: Cosmologia

 

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Ávillys mac Mórrigan

 Eu confesso que já tinha escrito esse texto antes... Logo quando fiz os 30 dias druídicos pela primeira vez em 2015. Ele chegou a ser postado aqui no blog, mas dado o momento... estou repostando, até porque minha visão quanto ao assunto não mudou, se aprofundou, mas permanece fiel a esse ensaio.

Deixo aqui a atualização... Ainda hoje nenhum mito conseguiu ser mais simples, profundo e complexo do que o mito criacional da Oran Mór (a Grande Canção), que pode ser expresso em total verdade e clareza por essas duas frases: "existia o nada e o vazio e, um dia, a Música tocou!"

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Se aprofundar na cosmologia celta é adentrar nas brumas do tempo, e espiralar por um passado longínquo praticamente inacessível.

Os celtas não deixaram registros escritos até muito recente em nossa história. Os poucos registros se remetem em sua maioria a um período em que a fé celta estava cristianizada ou em vias de sua cristianização. Compreender e ir mais fundo nos mistérios celtas requer uma habilidade especial: saber olhar o pouco que temos disponível como migalhas de pão de um caminho rumo a floresta, rumo ao sagrado. Um sagrado que precisa ser sentido para ser compreendido e que dificilmente pode ser explicado por palavras modernas.

Parte desses mistérios e conhecimentos perdidos nas brumas do tempo estão aqueles que se remetem ao mito de criação celta. É comum que as religiões tenham seus mitos cosmogônicos, as lendas e histórias que remetem ao princípio de tudo. Assim como seus mitos escatológicos, que nos levam até o fim dos tempos. Contudo, os celtas não. O que sabemos é que a grande crença celta vive no ciclo infinito. E talvez esse ciclo nos remeta a uma ideia de eternidade e perenidade.

Mas podemos achar algo que pode, e deve, ser tomado como mito criacional. Os druidistas mais contemporâneos descreveram uma Oran Mor (Grande Canção). A Oran Mor seria nada mais que a melodia criacional, a inspiração que tudo criou. Então tudo surgiu da música, tudo é música, e tudo se desenvolve pela música. A inspiração criacional diz exatamente o que o nome quer dizer: a respiração. A Oran Mor pode ser entendida como o som da respiração cósmica que criou a tudo, um organismo universal que começa sua respiração. Por isso, ela pode ser sentida no barulho das ondas do mar, que imitam o movimento e som de uma respiração. Mas ela também pode ser ouvida no toque do tambor, que imita o batimento cardíaco.

Isso tudo ainda é pouco. Escutar a Grande Canção é uma tarefa difícil praticamente impossível. Mas podemos harmonizarmos com ela, sentir seu fluxo e nos unirmos a ele, entrando num estágio de harmonia com tudo o que existe.

E assim, os celtas falam de Três Mundos: o mundo acima, mundo celestial; o mundo intermediário (a Terra Média); e o submundo. O mágico na compreensão celta é que não há nenhuma hierarquia entre os Três Mundos. Eles coexistem harmonicamente, e assim o que está acima não necessariamente é melhor do que os que estão abaixo. E eis que o centro também simboliza o fogo, a poesia e a criação, o centro é a Oran Mor.

Dessa forma, portanto, é da música que tudo vem, pela música que tudo flui. É a Grande Canção que move o mundo.

Nosso planeta faz parte dessa música, desse ser cósmico e sagrado. Faz parte e é a Terra Média ou o Mundo Intermediário. Dessa forma, ele é sagrado, assim como tudo que há nele. Há nos celtas um respeito primordial e inquestionável pela Natureza e pelo mundo em que vivemos. A Terra é nossa Mãe, mas também é parte de nós e nós dela. Essa simbiose harmônica deve ser mantida de maneira honrosa. Entender, sentir e honrar o sagrado em nosso mundo também é uma tarefa essencial na fé celta. Esse honrar não deve ser entendido como uma submissão e servidão, mas como respeito.

A Terra também possui Três Reinos: O Céu, a Terra e o Mar. Cada reino representa um elemento sagrado e é ponto de conexão com outros mundos.

O Céu, representa Nwyfre, o sopro divino, o ar e o próprio céu acima de nós. Assim, o céu, acima de nós, representa a luz, a inspiração sagrada e os Deuses.

O Mar está em nosso horizonte, representa Gwyar, as águas e o próprio mar ao nosso redor. Representa, portanto, as emoções, os seres feéricos e os ancestrais.

Já a Terra, está sob os nossos pés e, eu a considero, no meio entre os reinos – uma recriação dos Três Mundos Cósmicos. A Terra representa o Calas, a terra que nos sustenta. Representa as raízes, o solo, e os seres da natureza.

No real centro dos Três Reinos, encontra-se o Bosque Sagrado onde o Fogo queima no Poço da Sabedoria sob a Árvore da Vida. É a esse bosque que todas as vivências e rituais devem transportar. A Árvore da Vida é o símbolo que conecta os Reinos e os Mundos: com seu tronco no mundo do meio, no reino terreno; suas profundas raízes que atingem as águas e o submundo; e com seus longos e altos galhos que tocam o céu e alcançam o mundo celestial.

E dessa forma, toda árvore é sagrada, ao ser um ponto de contato com os Três Reinos e com os Três Mundos. E toda existência está inserida no mundo sagrado, de maneira que tudo é sagrado e tudo flui conforme a Grande Canção.

Um lindo poema, de Caítlin Mathews, encontrado no site Templo de Avalon, resume os Três Reinos e nossa conexão com eles:

"Não sei qual o meu destino.
Viajo para muito longe das ondas.
Procuro minha alma, onde ela está?
Eu olho a estrela para me guiar de volta.

Há uma ilha no oeste,
Terra sob o Céu e sobre o Mar,
Viajo para muito longe em minha busca.
Procuro um guia para me conduzir.

Um ramo de prata em minha mão
Com flor de cristal e fruto dourado,
A mãe árvore cresce na praia;
É lá que eu devo encontrar minha raiz.

Há uma ilha no mar,
Onde as águas fluem e o alimento dá a vida,
Onde não há inimigo, onde o amor é livre.
Procuro um lugar onde não aja contenda.

Eu olho a estrela para me guiar para casa,
Encontro o repouso da minha alma e meu espírito,
Viajei muito além das ondas,
Pois não há fim em minha busca."

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