quarta-feira, 31 de maio de 2017

O Druidismo Moderno - alguns esclarecimentos

(crédito da imagem)


Por Ávillys d"Avalon

Hoje vem textão...

Muitas vezes vejo pessoas curiosas sobre o que pratico e acredito, então resolvi falar desse tal de DRUIDISMO...

Druidismo é a fé dos druidas vivenciada hoje. Ok? Mas quem são os druidas? Bem, eles eram a elite sacerdotal celta no período pré-cristão europeu. Os celtas eram um conjunto de povos e tribos polissêmicos que vivam por quase todo a Europa (Irlanda, Grã-Bretanha, norte de Portugal e Espanha, França, um pedaço da Alemanha chegando a um pedaço da Turquia). Eles possuíam vários reinos... Os mais famosos são Ériu, Caledonia, Bretania, Gales, Galícia, Gália e Galácia, que correspondem aos países e territórios citados acima. Obviamente que esses povos formaram culturas diferentes e cultuavam deidades diferentes. A junção desses povos como "cultura celta" se dá muitas vezes pelas proximidades linguísticas, migratórias e étnicas, mas mesmo isso não é um consenso fechado entre os historiadores.

Nessas sociedades havia sempre a presença de um sacerdote detentor de profundo prestígio: os druidas. Que assim como a polissemia dos povos celtas, também desempenhavam papéis bastante diferentes entre as várias tribos e reinos celtas. Na Gália (França), os druidas eram descritos como juízes, professores, médicos e filósofos, geralmente trajavam o branco e eram verdadeiros intelectuais. Já em Ériu (Irlanda) sua descrição era muito mais próxima ao que chamamos hoje de um xamã, trajando roupas de matriz animal. Há aqui profunda diferença étnica em seu ofício, vestuário e em sua relação social, mas ainda assim, o druida é sempre considerado "o homem com a sabedoria do carvalho", um homem sagrado. A ele eram prestadas reverências e obediências enquanto sacerdote e líder espiritual e/ou filosófico de seu povo.

Obviamente, o curso do "druidismo original" "morreu" com a chegada do Império Romano seguida da cristianização da Europa. E muito pouco ficou registrado de sua "época dourada", já que os celtas não eram famosos por deixar registros escritos, e sim por cultivar a tradição oral de sua história através, principalmente, dos bardos. O que chegou a nós de registro escrito, tem origem medieval. São tratados e pergaminhos que descrevem um pouco das lendas, filosofias e sabedoria do fascinante mundo celta. Mas a maioria desses materiais (de escrita profundamente tardia), foi cunhado por escribas cristãos ou monges copistas e já demonstram ser um material muito raso comparado a profundidade das culturas celtas, uma vez que a Europa já era cristianizada e muito da cultura e história já havia morrido ou estava morrendo. Textos anteriores a essa época em geral são relatos romanos, o que não se torna um parâmetro preciso, pois o lado vencedor sempre demoniza os que perderam a batalha.

Em 1717 surge um movimento na Europa de reavivamento druídico, em que surge o que hoje chamamos de Druidismo Clássico ou Mesodruidismo. No Druidismo Clássico há a crença de um ser único e todo poderoso, superior aos Deuses, chamado de "O Incriado", e geralmente a escala iniciática se dá por uma escadinha entre os três ofícios: bardo, ovate e druida. Atualmente esse movimento é mais frequente na França e em algumas regiões da Grã-Bretanha.

Já em meados para o final do século XX surge um movimento chamado de Reconstrucionismo Celta, que buscava reviver as fés e culturas celtas nos dias de hoje, buscando maior embasamento e pesquisa de cume histórico e acadêmico como forma de tentar recriar ou ressignificar a cultura celta. Aliado a esse movimento surge o que podemos chamar de Druidismo Moderno ou Neodruidismo, que vai juntar a tradição do século XVIII com os embasamentos e pesquisas realizados pelo Reconstrucionismo. É aqui que eu me insiro.

Em cima disso, o Druidismo hoje é um sistema de crenças complexo profundamente polissêmicos como o eram os povos dos quais baseamos nossos credos. Há múltiplas interpretação das culturas e vivências celtas. Mas há uma linha comum, um fio de ouro, que conecta todas as tradições: O Druidismo Moderno se baseia no culto aos três povos: Deuses, Sídhe (que seriam os elementais, mas mais amplo que isso) e ancestrais. Acreditamos nos antigos Deuses celtas e buscamos alinhar nossa prática com rigor e pesquisa, religiosa e histórica. A comunidade druídica não costuma passar seus conhecimentos de modo didático em aulas e cursos. O Druidismo em geral preza pelo seu grau recluso e interno, um aprendizado passado de nível sacerdotal não acessível meramente por cursos. Os grupos druídicos geralmente não cobram exorbitantes taxas de inscrição e mensalidade, são o que chamamos grupos devocionais e não escolas. Algumas tradições possuem iniciação, outras não.

O Druidismo reconhece a sacralidade da terra, dos animais e desse mundo. Mas não cultua em seu credo básico uma Deusa única e/ou um Deus único. Somos politeístas e essa visão não é compartilhada em nosso meio, apesar de profundamente respeitada. Assim como a maioria dos druidistas apoiam movimentos feministas e movimentos do Sagrado Feminino (sendo possível a existência desse dentro do Druidismo). Mas sabemos que historicamente os celtas não eram matriarcais, apesar de algumas tribos serem matrilineares (ou seja, a herança e linearidade familiar era de regência feminina, materna, mas aqui não há uma figura matriarca ou e predominância feminina sobre o masculino), pelo contrário, a maioria das sociedades celtas erma sim patriarcais. Não há a crença que se sustente no mito original ou na vivência do drudismo a exitência de uma escola ou predominância feminina de druidesas, apesar de terem existido druidesas, mas elas não eram mais poderosas ou ocupavam escolas ou ilhas com poderio sobre-humano na política e religião (não é nem sabido se essas druidesas eram maioria ou não, o que nos leva a crer que não). Os druidistas de hoje tem profunda ciência de que os celtas não são povos românticos... Eram guerreiros letais e cruéis, com práticas que hoje nos seriam abomináveis (como colecionar cabeças do inimigo), e por essa razão o Druidismo de hoje realiza um sincretismo com nosso tempo e nossa ideologia, adequando as práticas ao nosso julgamento moral e ético. Buscamos preencher as lacunas da história e da religiosidade de forma séria, através de estudo profundo das lendas, história, credo, filosofia dos povos antigos. E sim, os druidas irlandeses tinham um oráculo e escrita próprios, chamado Ogham, mapeados no "Book of Ballymote" de 1390. Esse oráculo e escrita é hoje usada por grande parte dos druidistas como pesquisa, estudo e aprofundamento religioso e oracular.

Hoje, insere-se no druidismo, uma máxima religiosa compartilhada pela maioria de seus membros que, podemos elencar como uma máxima ou o foco da fé druídica: "cure a si, cure a tribo, cure o mundo". A cura aqui extrapola a ideia de cura corporal e tange às habilidade da Deusa Brighid, muito cultuada pelos druidistas. Mas esse tema por si já nos cabe um outro textão. Junto a essa máxima podemos dizer que o culto ancestral é a base do Druidismo que busca um conhecimento ancestral como forma de se conectar com o Sagrado. Por isso outra máxima é costumeiramente falada no meio: "honre seus ancestrais de sangue, honre seus ancestrais de terra e honre seus ancestrais de alma". O que isso significa, significa que o Druidismo não está aqui para segregar nem limitar as vivências religiosas e pessoas de ninguém. Mas isso também não significa que concordamos com misturas religiosas feitas sem um estudo aprofundado de todas as tradições a serem sincretizadas. Sincretismo para dar certo precisa ser bem estruturado e profundamente amparado pela base religiosa. Afinal, é preciso HONRAR as tradições. E essa é uma palavra muito forte e cara para os celtas antigos e igualmente para os druidistas da atualidade.

Portanto, o Druidismo não é "samba do criolo-doido", não é mistureba com deuses celtas. O Druidismo é um ofício, uma filosofia, um credo, uma religião, uma cultura, um modo de vida muito específico... Que reúne uma polissemia de tradições herdadas desde os tempos antigas, mas hoje condensadas sobre um credo básico, seguro e firme.

Há no Brasil um Encontro Brasileiro de Druidismo e Reconstrucionismo Celta (EBDRC), evento etinerante pelo país de caráter anual, que busca reunir os druidistas para discutir suas práticas e subsidiar seus estudos, dando um caráter mais profundo ao que está sendo feito, e igualmente visa aproximar a comunidade como um todo. Igualmente há um Conselho Brasileiro de Druidismo e Reconstruicionismo Celta (CBDRC) que reúne grupos sérios de Druidismo e Reconstrucionismo para evitar fraudes e farsas, pois não sejamos românticos, elas existem em todo lugar. Mas o melhor meio de preservação e autopreservação da sua religiosidade ainda é o senso crítico apurado e a pesquisa constante. ;)



Referências e sugestões:


CASTRO, Dannyel de (trad.). O Problema com o Neopaganismo in Bosque Ancestral [S. I.]. Disponível em <https://bosqueancestral.wordpress.com/2017/05/25/o-problema-com-o-neopaganismo/>, acessado em 31 de mai. de 2017.

COVEY, Stephen R. Druidry as a culture in Philip Carr-Gomm [S. I.]. Disponível em <http://www.philipcarr-gomm.com/druidry-as-a-culture/>, acessado em 31 de mai. de 2017.

CUNLIFFE, Barry. The Celtic World. Londres: Constable an Company, 1992.

____. The Ancient Celts. Londres: Penguin Books, 1997.

ECNAI, Máh Búadach Ingen. O que é Druidismo? in O Livro de Buadacha [S. I.]. Disponível em <https://olivrodebuadach.wordpress.com/2017/05/27/o-que-e-o-druidismo/> , acessado em 31 de mai. de 2017.

GREEN, Miranda J. The celtic world. Londres: Routledge, 1995.

____. The world of the Druids. Londres: Thames and Hudson, 2005.

GUIMARÃES, Andréia. O que foi o Mesodruidismo? in Druidismo [S. I.]. Disponível em <http://www.druidismo.com.br/index/artigos/Entries/2015/4/12_o_que_foi_o_mesodruidismo.html>, acessado em 31 de mai. de 2017.

MATTHEWS, Caitlín. O Livro Celta dos Mortos. São Paulo: Madras Editora, 2003.

SENEWEEN, Rowena A. Druidismo in Templo de Avalon [S. I.]. Disponível em <http://www.templodeavalon.com/modules/mastop_publish/?tac=Druidismo>, acessado em 31 de mai. de 2017.

SENEWEEN, Rowena A. & CAVALCANTI, Luciana (trad.). Reconstrucionismo Celta in Templo de Avalon [S. I.]. Disponível em <http://www.templodeavalon.com/modules/mastop_publish/?tac=Reconstrucionismo_Celta>, acessado em 31 de mai. de 2017.