sexta-feira, 28 de junho de 2019

Podcast Celta Mania: bate-papo sobre RELIGIÃO

Foto por Joab Nascimento
 
Joab Nascimento, druidista e estudioso da cultura céltica, lança mais um super projeto pra nós da Espiritualidade Céltica em geral, o Podcast Celta Mania pelo SoundCloud!

E, com muita honra, nosso druida Ávillys d'Avalon (Dartagnan Abdias), junto com a druidesa da Tribo do Caldeirão das Ondas (Salvador / BA), Máh Búadach, foi convidado para abrir os diálogos desse projeto maravilhoso falando sobre RELIGIÃO em geral!

Bora conversar com eles! Segue o projeto que o Joab vai nos atualizar com constância!

Para acessar o Podcast, clique aqui.

sábado, 1 de junho de 2019

Panteão Clânico - Parte 6: O deus Lugh

Os textos dessa série serão escritos sempre pelo nosso druida, Ávillys d'Avalon, e assim trazem as percepções, estudos e compreensões do druida e de nossas práticas clânicas, muitas vezes com um caráter profundo de gnose pessoal, ou seja, não dependendo muito de referências bibliográficas específicas. Muitas das bibliografias sobre os deuses celtas são profundamente pessoais e subjetivas já que os druidas do passado não nos deixaram efetivamente nenhum texto escrito ou orientação fundamental.

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Por Ávillys d'Avalon.

Lugh é um deus bastante conhecido e reverenciado nos grupos de espiritualidade céltica até por ter um dos grandes festivais com seu nome, Lughnasadh. É conhecido como o deus dos 365 talentos, pois ele possui todos os talentos e foi esse o “talento” ou a proeza que o possibilitou ser aceito entre as Tuatha dé Danann (as tribos dos deuses talentosos). As Tuatha dé eram um dos povos divinos da Irlanda, e o pré-requisito para ser um Tuatha dé era ser talentoso em algo ímpar.

Lugh é filho de Cian, filho de DianCécht com Eithine, filha de Balor. Cian e Eithine em algumas versões estavam apaixonados, em outras apenas ele a cortejava. Mas Balor mandou aprisionar sua filha em uma fortaleza, pois fora profetizado que seu neto o destruiria. Entretanto, Cian rompe as forças de Balor discretamente e se deita com Eithine, que gesta e gera Lugh. Mas por segurança, ela escondeu e doou a criança, para que não fosse descoberta por Balor. Assim, Lugh é criado por Tailtiu, uma deusa e rainha dos Fir Bolg.

Lugh consegue, assim, “unir” os três povos divinos da Irlanda. Ele é filho de um Tuatha dé com uma fomoriana e é criado por uma Fir Bolg. Recordando: as Tuatha dé Danann é o povo que chega requisitando a soberania de Ériu (Irlanda) a partir de sua peregrinação pelas quatro ilhas ao norte do mundo (podemos pensar que representam a chegada dos celtas). Os Fir Bolg é o povo divino que habitava a Irlanda antes da chegada dos Tuatha dé Danann. E os Fomores são os deuses ou seres primordiais, geralmente cruéis, que habitam as profundezas dos mares.

Após a vitória, liderada por Nuada, das Tuatha dé contra os Fir Bolg na Primeira Batalha de Mag Tuired (Moytura), e após Nuada recuperar seu braço e reivindicar novamente o trono das Tuatha dé que até então estava com Bres, o Belo, um rei corrupto e tirânico, as Tuatha dé entram em guerra contra os Fomores, numa guerra que seria talvez a mais intensa da saga irlandesa. É nas proximidades dessa batalha que Lugh se junta às Tuatha dé Danann, apresentando possuir todos os talentos.

Ao revelar ao rei Nuada sua verdadeira origem, sua maestria militar e ser o neto da profecia que destruiria Balor, Lugh recebe o trono das Tuatha dé temporariamente, para guiar as forças contra os Fomores. A vitória só vem, entretanto, quando Lugh desafia Balor, o gigantesco rei dos fomores de um único olho enorme que quando aberto incendiava tudo que olhasse. Lugh usa a arrogância e prepotência de Balor e sua sagacidade e maestria para derrota-lo acertando seu olho com a lança (em algumas versões com uma pedra), arrancando o olho de Balor de sua cabeça e conduzindo-o ao céu, onde esse olho aquece e fertiliza os grãos. Para evitar problemas, Lugh prende a cabeça de Balor em um Espinheiro Branco que passa a ter uma sobrevida pelo veneno do sangue do rei fomoriano.

Após a vitória das Tuatha dé na Segunda Batalha de Mag Tuired, os fomorianos se retiram de Ériu, mas antes de fugir, Bres implora a Lugh por sua vida, oferecendo que os campos sempre tenham grãos, mas Lugh recusa, pois o ciclo da terra precisa ser mantido; em seguida oferecendo que as vacas sempre dariam leite, Lugh recusa, pois as vacas não poderiam estar sempre grávidas; ensinando a arte da agricultura aos Tuatha, o que é aceito por Lugh. Infelizmente, entre as baixas dessa batalha estava o rei das Tuatha dé, Nuada.

Lugh instituiu o festival da colheita, Lughnasadh, que acontece tradicionalmente em agosto, como um dia sagrado de jogos, feiras e competições em honra a sua mãe adotiva, Tailtiu, em honra ao sacrifício dela para que a terra se fertilizasse.

Desse modo, Lugh é reverenciado como o deus da poesia, da música, das artes, da vitória, das chuvas, do relâmpago, da medicina, dos talentos. Sua relação com as chuvas e com o relâmpago está em sua relação com Balor. O olho de Balor é associado ao sol quente demasiado, que é golpeado pela Lança de Lugh (raio), fazendo Balor sangrar (chuva). Erroneamente, Lugh é associado ao sol. Ele não é deus do sol, no máximo pode ser associado ao percurso solar (a retirada do olho de Balor, enviando-o aos céus).

É um deus a ser buscado nos momentos que estamos desenvolvendo projetos, buscando cura medicinal, ou aprimorando nossas artes e talentos. Mas também reverenciado nas colheitas, sejam elas metafóricas em nossas vidas, ou reais na agricultura.

Panteão Clânico - Parte 5: O deus Nuada

Os textos dessa série serão escritos sempre pelo nosso druida, Ávillys d'Avalon, e assim trazem as percepções, estudos e compreensões do druida e de nossas práticas clânicas, muitas vezes com um caráter profundo de gnose pessoal, ou seja, não dependendo muito de referências bibliográficas específicas. Muitas das bibliografias sobre os deuses celtas são profundamente pessoais e subjetivas já que os druidas do passado não nos deixaram efetivamente nenhum texto escrito ou orientação fundamental.



Por Ávillys d'Avalon.

Nuada é um deus talvez pouco reverenciado nos grupos célticos que conheço. Ainda que sua importância seja reconhecida e cantada nos mitos, confesso ouvir poucas referências a ele em cultos e afins. Por essa razão, entender praticamente esse deus é um tanto complexo.

Nuada é, antes de tudo, um dos grandes e nobres reis ou chefes das Tuatha dé Danann. As Tuatha dé Danann (as tribos dos deuses talentosos) eram os povos divinos da saga irlandesa que em sua peregrinação rumo a um local onde fossem soberanos, foram conduzidos pelo rei Nuada até Quatro Ilhas ao Norte do Mundo: Gorias, Murias, Falias, Findias. Nessas ilhas eles aprenderam as artes da druidaria e foram presenteados por quatro magos, um de cada ilha, com quatro joias / tesouros / armas, que quando reunidas daria soberania a quem as possuísse. A se saber: Esras de Gorias deu a Sleg Loga (Lança de Lugh), capaz de garantir a vitória de quem a possuísse. Semias de Murias deu o Coiri in Dagda (Caldeirão do Dagda), no qual qualquer guerreiro honrado encontraria todo alimento que precisasse. Morfessa de Falias deu a Lia Fal (Pedra de Fal), que gritaria ao ser tocada / sentada / pisada (há diferenças nas interpretações dos mitos) por um legítimo rei. E, por fim, Uiscias de Findias deu a Claideb Nuadat (Espada de Nuada), que depois de desembainhada jamais deixaria de atingir o inimigo.

Em posse desses quatro tesouros, Nuada guiou as Tuatha dé Danann até Ériu (Irlanda) em barcos voadores que pousaram em Ériu no dia 1º de maio, no festival de Beltaine, e queimaram seus barcos para garantirem que ali permaneceriam, propagando uma fumaça negra que escureceu o céu e aterrorizou os então habitantes daquele lugar, os Fir Bolg.

Os Fir Bolg eram um povo, também considerado sagrado / divino, predominantemente agrário que estabeleceram 20 anos de paz durante seu reinado, até o duelo com as Tuatha dé Danann.

Nuada, reconhecendo a presença dos Fir Bolg no local, mandou seu druida, Fingol, tentar um acordo com os Fir Bolg. Não haveria guerra se eles reconhecessem a Soberania das Tuatha dé sobre Ériu. Éochtrai, rei Fir Bolg, não aceitou o acordo, o que desencadeou na Primeira Batalha de Mag Tured (hoje Moytura, por ser localizada na costa oeste da Irlanda no condado de Mayo).

Foram muitos anos de incansável batalha, pois DianCécht, o druida e médico das Tuatha dé conseguia trazer de volta a vida todo morto que não perdesse a cabeça, por outro lado, os Fir Bolg possuíam uma fonte mágica que curava os moribundos e também ressuscitava os mortos em batalha. Assim a batalha permaneceu por anos a fio. Já desgastado pela interminável Batalha, Nuada teria rogado por uma resposta, algo que lhes concedesse a vitória. E, assim, encontra um belo corvo pousado sobre seu estandarte na entrada de sua tenda, e prontamente reconhece a deusa Morrigan, convidando-a para entrar. Ali, a deusa oferece um acordo: ela guiaria as Tuatha dé à vitória se Nuada a acolhesse em sua cama. Na manhã seguinte, o rei encontra a deusa em sua forma de corvo, sobre o estandarte acariciando suas penas e percebe-se inflado por um impulso inexplicável.

Dessa forma, ele lidera os exércitos e consegue grandes avanços sobre os Fir Bolg, até o momento onde o desafio é feito: Nuada desafia Éochtrai para um duelo encerrando a guerra. Como Éochtrai era também um rei orgulhoso e cheio de si, o desafio é aceito e Nuada acaba vencendo, matando o rei Fir Bolg. Mas o escudeiro de Éochtrai, em um acesso de raiva decepa o braço de Nuada.

A vitória foi dada às Tuatha dé, mas Nuada não poderia mais governar. Pois apenas um homem inteiro e saudável podia ser rei, pois da saúde do rei dependia a saúde da terra, e mesmo DianCécht dando um braço de prata a Nuada, não era o bastante para que ele garantisse seu direito de governar. Nuada sai em auto-exílio e em seu lugar Bres, o Belo, filo de Elatha, foi eleito para governar as Tuatha dé Danann. A eleição de Bres fora estratégica, pois ele era de origem fomoriana, e assim manteria a paz com os fomores com quem as Tuatha dé não queriam guerrear.

Os fomores seriam seres ou deuses primordiais, embrutecidos, muitas vezes concebidos como cruéis que habitavam as profundezas do mar. Apesar de Bres, filho de Elatha, irmão de Dagda e Oghma ter parecido uma escolha acertada, ele se mostrou um rei tirânico, que aumentava as cargas de tributos e extorquia as Tuatha dé enquanto dava incansáveis privilégios aos fomores sobre as terra de Ériu. Para pôr fim a esse reinado, era preciso que um rei legítimo desafiasse Bres, e por essa razão, Miach, filho de DianCécht, descobre um jeito de superar os feitos do pai e devolver um braço de carne e osso a Nuada, tornando-o novamente digno.

O pleito de Nuada ao trono conduz as Tuatha dé a uma guerra contra os fomores, uma guerra mais intensa do que a vivenciada contra os Fir Bolg, mas que acaba com a vitória das Tuatha após Lugh matar Balor, o rei fomor, arrancando seu olho incendiário. Para essa batalha, Nuada concede o trono temporário a Lugh, para que ele liderasse o povo a vitória, e infelizmente Nuada é morto em batalha.

Por essa razão, Nuada não é reverenciado como um deus, mas como um herói que hoje habita as Ilhas do Outro Mundo j
unto com nossos ancestrais. Sua reverência é uma autorreflexão, uma busca por soberania e cura em nossas próprias vidas. Sua história nos leva a pensar: qual impulso me falta para que eu conquiste o que desejo? Estou preparado e disposto para os sacrifícios que minhas batalhas demandam? Quando estou incompleto de alguma forma, não estou apto, não sou soberano sobre mim mesmo, nem sobre meu mundo particular, então preciso olhar fundo e recuperar a parte que falta, curar o que está doente para de fato alcançar minha soberania. E quando não sou o mais indicado, é bom, correto e honroso pedir ajuda, ceder espaço para que outro guie a vitória.

É sempre preciso buscar nosso impulso, sair da zona de conforto, encontrar e enfrentar nossas batalhas de maneira destemidas. Por essa razão, nesse dia também fazemos um apelo a Morrigan, para que ela dos dê a força e o impulso para vencermos nossas batalhas.

Nuada era o rei nobre de alma e espírito, justo e correto, que nos ensina que a honra deve estar acima do orgulho, que as tradições vem antes dos desejos pessoais, que nossa soberania depende de nossa própria conquista e que essa depende dos sacrifícios que lhe são típicos e exigidos.