sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Panteão Clânico - Parte 2: a Deusa Brighid

Os textos dessa série serão escritos sempre pelo nosso druida, Ávillys d'Avalon, e assim trazem as percepções, estudos e compreensões do druida e de nossas práticas clânicas, muitas vezes com um caráter profundo de gnose pessoal, ou seja, não dependendo muito de referências bibliográficas específicas. Muitas das bibliografias sobre os deuses celtas são profundamente pessoais e subjetivas já que os druidas do passado não nos deixaram efetivamente nenhum texto escrito ou orientação fundamental.


Imagem de autoria desconhecida




Por Ávillys d'Avalon.


 Brighid (Brigit, Brida, Bride, Brígida) é sem dúvida uma das mais conhecidas e adoradas deusas celtas. É poetisa, deusa do fogo, da cura, da inspiração, das águas, das batalhas, da vida e da morte. Celebrada principalmente na renovação da terra que se inicia no festival de Imbolc, no hemisfério norte ele antecede a Primavera. É considerada protetora dos bardos e patrona das artes.

      
 Sabe-se que ela é filha do Dagda (o Bom Deus), mas sua mãe é desconhecida nos dias de hoje, não nos chegou registros através do tempo e das histórias. Portanto, não há certeza se ela é de linhagem toda fomoriana ou parcial, já que Dagda é filho de pai e mãe fomorianos. Independente disso, ela é aceita, amada e adorada entre os Tuatha dé Danann, sendo casada com o fomoriano Bres, deus da agricultura, que durante seu reinado tornou-se um tirano entre os Tuatha dé até ser deposto por Nuada, o que conduziu à Segunda Batalha de Magh Tuiread, contra os fomorianos. Brighid teve um filho, Ruadan
            
 Vale lembrar que os Fomores seriam uma raça antiga e inacabada de seres e deuses do passado terrestres, com quem os Tuatha dé Danann (as tribos dos Deuses Talentosos da Irlanda) eram por vezes aliados e por outras inimigos.
           
 Brighid é conhecida por ser uma Deusa Tríplice, ou seja, possuir três lados ou três dons: a curandeira / médica, a ferreira, a bardisa. Posteriormente, foi canonizada pela Igreja Celta (uma Igreja de base católica local nas Ilhas Britânicas, mas ainda não reconhecida oficialmente pelo Vaticano), como Saint Brighid (ou Santa Brígida), padroeira da Irlanda. Entre os milagres da santa, descreve-se que ela possuía três fogos: o fogo da lareira, onde preparava a cura com as ervas; fogo nas mãos, que representava seu trabalho manual com a forja; e o fogo sobre a testa, representando o Imbas, a inspiração. Ela regia poços mágicos e sagrados. No mito, dois doentes (possivelmente lepra) teria chegado a ela pedindo cura, ela ordenou que o primeiro se banhasse em seu poço, e quando o fez, saiu curado. Então ela ordenou que o primeiro (que havia se curado) banhasse o segundo para também curar o amigo. Agora curado, o primeiro se recusou a tocar no amigo, mesmo sob o comando da deusa / santa, e assim, Brighid curou o segundo e devolveu a doença ao primeiro, ensinando que o amor deve estar além das aparências.
             
Hoje, sob tutela da Igreja Celta, em Kildare / Irlanda, existe um Poço sagrado, em que são atribuídas propriedades mágicas a água, consagrado a Santa Brígida.
             
Contudo, o que muitos também não sabem, é que a deusa possui um lado sombra, um quarto lado... A morte. Ela é deusa da morte, em geral associada à boa morte, tanto quanto é protetora das parturientes. A morte, pode ser vista como uma cura para o sofrimento que não possui cura terrena, e assim também é uma das artes de Brighid. Ela possui quatro animais sagrados, apesar de ser a vaca branca com orelhas vermelhas o mais conhecido. Mas não devemos nos esquecer da cobra, do lobo e do abutre. A vaca é sinal de prosperidade, vida; além disso a vaca branca com orelhas vermelhas é conhecida por ser uma condutora com o Outro Mundo, outras vezes, um animal pertencente ao Outro Mundo. A cobra, sinal de conhecimento e independência. O lobo remete à família, ao doméstico. E o abutre, à morte.
           
 Enquanto deusa, ela é celebrada e adorara por carregar consigo o Imbas, o fogo sagrado da inspiração e da elevação espiritual que queima na testa dos artistas. Sua devoção é um tanto quanto profunda, já que ela toca e mexe no profundo, na essência. Sua cura é uma cura que vem de dentro para fora, do espiritual para o físico. Sua forja endireita e ensina os homens a viver e a lutar pela e através da honra. No paganismo, não há quem tenha contato com essa deusa e não se apaixone. Em sua potencialidade, ela eleva sempre o que há de melhor em nós, auxiliando na purificação dos males e negatividades.
             
Ela faz parte de uma das deusas mais adoradas no feminismo, por se mostrar sempre uma deusa da potencialidade indomada e livre do feminino. Além disso, sobreviveu ao tempo e a cristianização, mantendo-se forte inclusive no cristianismo, com várias orações e preces que sobrevivem à história e parecem se remeter a uma deusa que abençoa e cuida das mulheres, mais do que a uma santa.



  • Prece medieval de Brighid que sobreviveu os séculos: no Youtube 



Letra (irlandês):
Gabhaim molta Bríghde, iníon í le hÉireann
Iníon le gach tír í, molaimís go léir í.
Lóchrann geal na Laighneach, soils' ar feadh na tíre
Ceann ar óigheacht Éireann, ceann na mban ar míne.

Tig an Geimhreadh dian dubh, gearra lena géire
Ach ar lá le Bríghde, gar dúinn Earrach Éireann.
Gabhaim molta Bríghde, iníon í le hÉireann
Iníon le gach tír í, molaimís go léir í.

Tradução Livre (por Ávillys d’Avalon):
Eu faço uma prece a Brigit, filha da Irlanda
Filha de todas as terras, deixe-nos fazer uma prece a ela
A brilhante lanterna de Lainster, brilhando pelo país
A jovem líder da Irlanda, líder das mulheres

A casa do inverno está escura, golpeando com precisão
Mas no Dia de Brigit, na Irlanda a primavera se aproximará de nós
Eu faço uma prece a Brigit, filha da Irlanda
Filha de todas as terras, deixe-nos fazer uma prece a ela