Ávillys mac Mórrigan
Certamente podemos nos dizer naturalistas de crenças. Acreditamos em um mundo integrado e conecado, em completa simbiose. Além disso, somos animistas (ainda que não tão vividamente como os celtas do passado): tudo é vivo, tudo pulsa, vibra. Somos, em maioria politeístas. Acreditamos em um Outro Mundo que é parte dessa mesma realidade, apenas não nos é alcançável fisicamente. Acreditamos em magia e em um mundo encantado, também habitado pelos feéricos. Acreditamos em vida além da morte e que nossa jornada no além-vida é literalmente uma jornada partilhada nas mesas e salões dos deuses ou nas várias ilhas encantadas do Outro Mundo, onde poderemos viver, festejar, comer, dançar e tudo mais. O plano espiritual não é muito diferente desse, só nos é uma realidade ainda inalcançada (até a morte). Muitos de nós acredita na reencarnação ou na transmigração da alma, mas não temos uma ênfase evolutiva, pois não acreditamos na separação binária ou dual de bom e mal, desevoluído e evoluído, tudo está junto, conectado, face da mesma realidade. Nossa função espiritual é alinhar nossos Caldeirões da Poesia e enche-los.
Já os deuses... Os
celtas (e a maioria de nós é) eram politeístas. Cada tribo, reino, nação tinha seu próprio panteão e
não havia uma visão de um Deus ou Deusa únicos que fundissem ou unissem todos
os demais Deuses como arquétipos de sua unicidade. Igualmente, não era comum
que uma tribo cultuasse aos Deuses de outra tribo. Respeitava-se o panteão
local conforme a tradição e os ensinamentos (passados de boa a orelha). Haviam
apenas cinco Deuses celtas que historicamente estão presente em todas as tribos
e nações, chamados de Deuses pan-céticos: Danann, Dagda, Morrigan, Lugh e
Brigit.
Contudo,
nos dias de hoje, com o recomeço do paganismo e a globalização, é comum que
alguns grupo optem por aderir o culto a Deuses de diferentes panteões celtas,
prática realizada a partir de estudo e de forma honrosa e respeitosa. Mas
também há grupos que optam por seguir de maneira histórica e assim cultuar
apenas os Deuses da tribo ou nação que segue. Particularmente acredito que
ambas as práticas são coerentes, desde que feitas com sinceridade, estudo,
respeito e honra.
Os
Deuses eram cultuados como mestres divinos e seres de sabedoria e poder que
excedem incontáveis vezes às humanas. Viviam em terras do Outro Mundo, mas
podiam transitar, partilhar e até viver em nossas terras. Suas formas de
atuação nesse mundo eram através das forças da natureza e de seus animais
totêmicos. Acredita-se que os Deuses podem se transformar nas forças da
natureza ou em animais para atuar e viver nesse mundo.
A
visão celta dos Deuses é descrita de maneira profundamente humanizada. Nossos
sábios mestres possuem humores, desejos, se ferem, festejam, sentem dor, ira e
prazer. E muito disso ainda nos é passado nos mitos e lendas que chegaram até
nós, nos quais os Deuses são descritos com características perfeitamente
humanas, vivendo em seu convívio nessa ou em outras terras e, muitas vezes, são
aclamados como heróis. O exemplo disso está nas lendas dos Tuatha dé Danann e na conquista de Ériu (Irlanda), onde a tribo da Deusa Danann é conduzida, comandada
e governada não apenas por heróis nobres, mas pelos próprios Deuses que fizeram
ali sua morada. Isso não é tão surreal se lembrarmos que o véu difere terras e
mundos que pertencem fisicamente ao nosso próprio Mundo (Universo), assim o
trânsito, inclusive físico, não é algo absurdo. Contudo, com o véu se
solidificando, cada vez menos os Deuses vem habitar entre os humanos e cada vez
mais nos distanciamos de suas graças, honras e heroísmos.
O
contato com os Deuses é feito de maneira honrosa e amigável. É possível
conversar e indagar as coisas aos Deuses, desde que de forma respeitável, você
terá sua resposta e auxílio, basta se atentar aos sinais a sua volta. Outra
forma de contatar os Deuses é através de oráculos e vidências. Os Deuses falam
e nosso íntimo, o essencial é aprender a ouvir sua voz. A relação honrosa e o
culto aos Deuses é uma forma de agradecimento e de estreitamento de laços.
Honrar e cultuar os Deuses é uma forma bela e saudável de dizer o nosso “muito
grato” a eles. Devemos lembrar que eles controlam nosso destino e o destino de
toda existência terrena. São os seres superiores de nosso Mundo, criaturas da
Grande Canção, mas também aqueles que zelam e escutam seu tocar.
Os
Deuses não são autocráticos, mas zeladores do Mundo, mantenedores do equilíbrio
universal que permite a existência e a vida. Awen arde intensamente nos Deuses, e através deles nos aproximamos
ainda mais de Awen e do Oran Mor. E estar a seu serviço é
aprender e adquirir honra e sabedoria, servindo ao equilíbrio.
Entre
os povos celtas, contam-se mais de cento e cinquenta Deuses. Por essa razão,
não dedicarei uma fala sobre cada um deles no momento. O que nos importa dizer
é que os Deuses celtas são pré-cristãos, existem e eram cultuado muito antes da
datação de Jesus ou da cristianização da Europa. Muitos desses Deuses foram
canonizados pela Igreja Católica – como o caso de Brigit que virou Santa
Brígida (padroeira da Irlanda –; outros, ao contrário, foram demonizados – como
o caso de Cernunnos, cuja forma hibrida de natureza, animal e humana está na
base da forma do diabo medieval. Apesar desse triste fato, os Deuses celtas
nada têm a ver com os demônios cristãos. Não há culto ao diabo ou a qualquer
secto a ele relativo entre as práticas e cultos celtas. Assim como a maioria
dos grupos celtas de hoje não cultuam os elementos da cristandade ou o Cristo.
Um aprendizado que um culto politeístico semeia é o do respeito a diversidade,
não há apenas um caminho possível, há múltiplas verdades e todas são igualmente
verdadeira. Dessa forma, o respeito e a honra estão na base do culto, assim
como a busca pelo equilíbrio mais do que a noção clássica de “bem contra o mal”.
Concomitante, respeitamos, e muitas vezes nos relacionamos intimamente com, a
visão wiccana da Deusa (ou Deusa e Deus), mas essa também não é a visão celta
sobre as divindades, por mais bases célticas que a Wicca tenha.