Referências

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Dia 04: Terra e Natureza

 

(Link da foto)

 Ávillys mac Mórrigan

A natureza era sagrada pelos povos celtas. Isso não temos dúvidas! Os deuses falam através da natureza e dominam suas forças.  Os sídhe (feéricos) habitam lugares naturais e zelam pela natureza. O homem, sem dúvidas, era concebido em integração com o meio-ambiente. Claro que isso é sem romantismos. Os celtas derrubavam árvores, construíam cidades, mudavam a paisagem natural. Mas acredito que isso era feito com consciência ambiental. Os lugares sagrados eram os lugares naturais ou os monumentos de povos anteriores que se acreditam ter sido feito pelos próprios deuses, onde muitos fazem também sua morada.

A consciência de que a natureza é sagrada muda a relação do homem com ela. Você não profana e não destrói de maneira inescrupulosa o local onde seu sagrado mora. Pelos mitos e relatos históricos e arquiológicos, acredito que o homem celta era visto como parte da natureza, nem mais nem menos. E isso muda a relação dele com o meio-ambiente, com os animais. Acredito que essa relação se aproxime muito do q vemos com os indígenas ainda hoje.

A visão animista presente nas sociedades célticas também ajudam nesse sagrado, pois tudo é vivo. A pedra, a montanha, o céu, tudo tem vida! Só uma vida que se manifesta de forma diferente, que interage de forma diferente da nossa. E tendemos a respeitar mais as coisas que consideramos vivas do que aquelas que objetificamos. 

Não podemos, entretanto, dizer categoricamente que os celtas tinham a compreensão do mundo, do planeta Terra... Sabemos que o Outro Mundo é, muitas vezes, referido como parte desse mundo, uma continuação a oeste... Mas daí a pressupor uma noção planetária ou não, é difícil dizer. Não nos chegou nem mesmo um mito de criação legitimamente celta que não se refira a criação de terras, monumentos ou espaços específicos. Contudo, há outros indícios a procurar...

Não dá para olharmos os povos do passado e pressupor que tivessem o mesmo pensamento filosófico ou compreensão de mundo que temos hoje. Certamente eles desconheciam a noção planetária como temos hoje em toda a teoria cósmica da ciência moderna. Mas não acredito que (especialmente os gaélicos a quem me detenho mais) não tinham uma compreensão de mundo e talvez uma visão da Terra como sendo uma coisa só, ou um único mundo! E vamos em direção a isso.

Cailleach, a deusa gaélica do inverno tem outros atributos e epítetos. Ela também está relacionada a soberania, a terra, a magia, a transformação, as estações e a vida e morte. Na Irlanda, muitos acreditam que a imagem de Sheela na Gig seja uma referência ou um epíteto a ela, que assim seria chamada também de A Parideira do Mundo (Sheela na Gig). Outro epíteto escocês dado a ela é como Mag Moullach (Momu), que poderia ser traduzido como Grande Mãe da Terra ou Grande Mãe Terra. Na Irlanda ela já é chamada também de Seanmáthair Mór (ou apenas Máthair Mór), a Grande Avó. É dito que, na Escócia, que sua capa seria a própria terra escocesa e que são os cuidados com sua capa que guiam ou mudam as estações.

Por esse indício, não seria errado conjecturar que alguns gaélicos podiam ver Cailleach como uma Mãe Terra. Outras deidades também podem ser referenciadas dessa forma, como Anu (a mãe de leite dos deuses Irlandeses, cujos seios seriam dois montes gêmeos na Irlanda chamados de "Os Seios de Anu); ou, mais modernamente, a própria Danu na visão e crença popular de algumas pessoas da Espiritualidade Céltica.

Apesar de ser conjecturas com possibilidades bem concretas de interpretações, podemos nos concentrar no fato de que toda religiosidade e espiritualidade precisa estar atualizada para seu tempo para ser efetivamente vivenciada. Hoje em dia, ecologicamente falando, é quase impossível pensar na Terra como um planeta inanimado. A Teoria de Gaia (teoria científica que aponta para o planeta como um organismo vivo) está aí para nos mostrar isso. Mesmo que pressupomos que os celtas não tivesse uma Deusa-Terra, uma "Gaia", o Druidismo moderno certamente absorve esse pensamento de que a Terra é sim um organismo vivo do qual todos fazemos parte. E podemos nos basear nisso ao entender os 9 Dúile, ao compreender que tudo tem vida, tudo é animado e ao olhar para os estudos científicos de nosso planeta.

Isso não nos coloca para endeuza-lo de maneira abosluta (até porque, na espiritualidade céltica acho que nada seria em si absoluto, talvez a Oran Mór), mas nos faz compreender que nossa vida é integrada a desse grande organismo, se não cuidamos dele, estaremos destruindo a nós no futuro. Se a natureza é sagrada, então nosso planeta é sagrado, o Universo é sagrado.

Portanto, viver o Druidismo hoje é viver em consciência de que estamos em um mundo sagrado em sua natureza, vivo em todas as coisas, único em sua existência. Ou seja, é viver espiritualmente uma vida o mais ecologicamente consciente possível, na tentativa de termos uma vida simbiótica e sagrada com o planeta e não corrompida ou depreciativa.

A Terra e a Natureza são tudo para o Druidismo, efetivamente é nosso primeiro destino de culto, em nossos festivais anuais de agradecimento e culto aos ciclos e estações terrenas, em celebração a prosperidade e fertilidade da Terra. A natureza é linda, divina para aqueles que a olham com atenção, e nós reconhecemos, celebramos isso! É a Terra que nos garante soberania!

Gostaria de finalizar esse texto com uma citação do Philip Carr-Gomm (OBOD) em seu livro "What do druids believe?", em tradução livre:

"É fácil interpretar Paz e Amor como qualidades "suaves" ou passivas, mas o Druidismo oferece uma maneira de se reconectar a esses valores que os tornam potentes e proativos, e os traduz em ações específicas em nossas vidas cotidianas. A Rede da Vida e a Ilusão da Separação tecida em grande parte do pensamento druida e toda a sua prática é a crença de que estamos todos conectados em um universo que é essencialmente benigno por não existirmos como seres isolados que precisam lutar para sobreviver mundo cruel. Em vez disso, somos vistos como parte de uma grande teia ou tecido da vida que inclui todos os seres vivos e toda a Criação. Esta é essencialmente uma visão panteísta da vida, que vê toda a Natureza como sagrada e interconectada. Essa visão se tornou popular, recentemente, graças ao trabalho de James Lovelock, cuja hipótese de Gaia sugere que o planeta é um ser vivo, funcionando como um organismo único que mantém as condições necessárias para sua sobrevivência. Os vários processos que ocorrem na Terra - físico, químico, geológico e biológico - são vistos como interconectados, afetando um ao outro em um processo contínuo de troca e relacionamento. Durante a década de 1980, a hipótese de Gaia, juntamente com teorias propostas por físicos quânticos como Fritjof Capra, começaram a adicionar perspectivas científicas a uma teoria que muitos acreditavam ter sido articulada um século antes pelo líder nativo americano Chief Seattle. As palavras comoventes atribuídas a ele inspiraram pessoas em todo o mundo e as despertaram para a idéia de interconectividade." 

 

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