sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Panteão Clânico - Parte 9: O deus Manannán

Os textos dessa série serão escritos sempre pelo nosso druida, Ávillys d'Avalon, e assim trazem as percepções, estudos e compreensões do druida e de nossas práticas clânicas, muitas vezes com um caráter profundo de gnose pessoal, ou seja, não dependendo muito de referências bibliográficas específicas. Muitas das bibliografias sobre os deuses celtas são profundamente pessoais e subjetivas já que os druidas do passado não nos deixaram efetivamente nenhum texto escrito ou orientação fundamental. 


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Por Ávillys mac Morrigan



Manannán é um dos deuses mais cultuados e conhecidos dentre os panteões célticos, provavelmente por ele ser igualmente conhecido e cultuado em muitos países celtas (Irlanda, Escócia, Gales, Ilha de Man). Em Gales há a polêmica se seria ou não o mesmo deus, o Leanaí an Ghealach acredita que sim. Em Gales ele seria chamado de Manawydan Fab Llyr, enquanto nos demais países gaélicos, ele é conhecido por Manannán Mac Lir. Além da visível proximidade dos atributos, a proximidade do nome fica ainda maior quando constatamos que em gaélico antigo seu nome era escrito como Manandán.
             
Manannán possui dois “sobrenomes” relacionados: Mac Lir e Mac Alloit. O primeiro é o mais referenciado e conhecido e poderia ser traduzido com “Filho de Ler”, ou “Filho do Mar”. Lir seria o próprio mar, ou, poderíamos dizer, um deus antigo cujas forças seriam o próprio mar. Manannán é reverenciado como o deus do mar, ou o deus que controla os mares. Seu segundo “sobrenome” poderia ser traduzido como “Filho de Alloit” ou “Filho da Terra / Solo”. A esse respeito muito pouco se sabe, mas talvez seria uma referência a sua maternidade... Assim, Manannán é literalmente filho da terra e do mar.
             
O gaélico deus dos mares também possuía o atributo de guardião e governante do Outro Mundo, aquele que guarda os portais entre os mundos. Ele possui uma barca mágica chamada Scuabtuinne. Essa barca teria o poder de jamais afundar e a capacidade de carregar seus passageiros para qualquer lugar desse e do Outro Mundo. Além da barca mágica, Manannán era um grande colecionador de tesouros, e assim sendo, ele também possuía uma misteriosa e enevoada capa da invisibilidade chamada de Féth Fiada, uma poderosa espada chamada Fragarach, sua espada seria capaz de atravessar qualquer armadura e, quando apontada para um alvo, obrigava a pessoa a responder sinceramente a qualquer pergunta; e um cavalo mágico chamado Enbarr, que cavalgava sobre as águas e poderia levar qualquer um em uma viagem segura entre os reinos.
             
Outros tesouros ou feitos também são associados a ele com o Mucca Mhannanain, um porco cuja carne se regenera quando abatido para consumo, uma vaca manchada recuperada por ele e Aengus da Índia cujo leite intoxicante era viciante, uma vaca seca, dois cálices de ouro. Teria ele também dado as Tuatha dé Danann o Fleadh Goibhneann (Banquete de Goibiniu) que teria protegido as Tuatha dé de doenças e da decadência.
             
Ele foi o deus responsável pelo treinamento militar do deus Lugh. Quando Lugh foi se juntar as Tuatha dé Danann na batalha contra os Fomores, Manannán o presenteou com casaco ou roupa que, enquanto usasse, o faria não ser ferido; uma armadura impenetrável; e um elmo com duas pedras cravejadas (uma a frente e uma atrás) que brilhava enquanto ele se movia. Então o deus dos mares abençoou Lugh com sua espada e emprestou a Lugh seu cavalo Enbarr.
             
Cormac mac Airt teria recebido de Manannán o Ramo de Prata, um galho de macieira contendo maçãs mágicas que quando balançado soava um doce som que encantava os sídhe, permitindo que ele viajasse em segurança entre os mundos... Hoje o Ramo de Prata é parte integrante do druidismo, um instrumento poderosíssimo feito com galhos e guizos que, quando soado, sacralizam e encantam o ambiente, as ações e pensamentos ali realizados.
            
 Manannán residiria e governaria em Emhain Abhlach (a Ilha das Maçãs), comumente associada a Ilha de Man. Tecnicamente, essa ilha protegida pelas mágicas névoas de Manannán, teria recebido esse nome em sua homenagem. Durante o Solstício de Verão, era comum que os habitantes da ilha, subissem o monte para deixar oferendas ao deus, como tributo e pagamento de “aluguel” pelo usufruto das terras de Manannán. A ele também são associados o governo e as Ilhas Abençoadas (ilhas mágicas espalhadas pelo mundo), a Tír na nÓg (Terra da Juventude presente no Outro Mundo) e a Mag Mell (a Planície das Maravilhas no Outro Mundo)
             
O deus também teve várias esposas, amantes e filhas e filhos. É um deus que, apesar da poligamia, enfatiza muito o bom tratamento, respeito e convívio. Em seus mitos sempre fora cortês, sedutor e respeitador de todas as mulheres, sempre as valorizando. Entre suas esposas mais famosas temos as deusas feéricas Fand e Áine. Era também relacionado ao comércio, a magia, a nobreza. Sempre descrito de maneira muito elegante, nobre e sedutora. Mas também é considerado um trickster (brincalhão), um deus famoso por pregar peças nas pessoas.
             
Manannán é, sem dúvida, um deus de muitos atributos, inebriante como mar. Envolvente, sedutor, imponente, profundo e misterioso. Se aproximar e contemplar esse deus é, sem dúvida, sair numa jornada profunda de encontro e reencontro... É um deus que nos ensina a nobreza e a manter sempre seguro aquilo nos é caro e precioso. Ele rege nossos desafios, jornadas e viagens, principalmente as experiências espirituais, os mistérios da morte. Em sua barca e sob sua guia, podemos fazer nossa jornada mágica tanto metaforicamente ou espiritualmente, quanto o faremos no momento de nossa morte.
             
Contudo, lidar com esse deus requer honra, nobreza, discernimento e muito bom humor. Apesar de ser um clássico brincalhão, como todo mar é, ele pede seriedade, atenção e concentração. Nos ensina a olhar por além dos encantos e seduções, e quando alcançamos esse estágio, nos guia de forma segura até a realização de nossos objetivos. Como um navegante, conhecedor e frequentador de muitos portos e povos, Manannán reforça em nós o senso e o sentido de hospitalidade, moeda que deve ser levada em consideração nos dois lados, tanto vale para o visitante quanto para o anfitrião. O respeito e a nobreza de alma são sempre valores fundamentais no contato com o outro.