Os textos dessa série serão escritos sempre pelo nosso druida, Ávillys d'Avalon, e assim trazem as percepções, estudos e compreensões do druida e de nossas práticas clânicas, muitas vezes com um caráter profundo de gnose pessoal, ou seja, não dependendo muito de referências bibliográficas específicas. Muitas das bibliografias sobre os deuses celtas são profundamente pessoais e subjetivas já que os druidas do passado não nos deixaram efetivamente nenhum texto escrito ou orientação fundamental.
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Por Ávillys mac Morrigan
Manannán é um
dos deuses mais cultuados e conhecidos dentre os panteões célticos, provavelmente
por ele ser igualmente conhecido e cultuado em muitos países celtas (Irlanda,
Escócia, Gales, Ilha de Man). Em Gales há a polêmica se seria ou não o mesmo
deus, o Leanaí an Ghealach acredita que sim. Em Gales ele seria chamado de
Manawydan Fab Llyr, enquanto nos demais países gaélicos, ele é conhecido por Manannán
Mac Lir. Além da visível proximidade dos atributos, a proximidade do nome fica
ainda maior quando constatamos que em gaélico antigo seu nome era escrito como
Manandán.
Manannán possui dois “sobrenomes”
relacionados: Mac Lir e Mac Alloit. O primeiro é o mais referenciado e
conhecido e poderia ser traduzido com “Filho de Ler”, ou “Filho do Mar”. Lir seria
o próprio mar, ou, poderíamos dizer, um deus antigo cujas forças seriam o próprio
mar. Manannán é reverenciado como o deus do mar, ou o deus que controla os mares.
Seu segundo “sobrenome” poderia ser traduzido como “Filho de Alloit” ou “Filho
da Terra / Solo”. A esse respeito muito pouco se sabe, mas talvez seria uma
referência a sua maternidade... Assim, Manannán é literalmente filho da terra e
do mar.
O gaélico deus dos mares também possuía
o atributo de guardião e governante do Outro Mundo, aquele que guarda os
portais entre os mundos. Ele possui uma barca mágica chamada Scuabtuinne.
Essa barca teria o poder de jamais afundar e a capacidade de carregar seus
passageiros para qualquer lugar desse e do Outro Mundo. Além da barca mágica,
Manannán era um grande colecionador de tesouros, e assim sendo, ele também possuía
uma misteriosa e enevoada capa da invisibilidade chamada de Féth Fiada,
uma poderosa espada chamada Fragarach, sua espada seria capaz de
atravessar qualquer armadura e, quando apontada para um alvo, obrigava a pessoa
a responder sinceramente a qualquer pergunta; e um cavalo mágico chamado Enbarr,
que cavalgava sobre as águas e poderia levar qualquer um em uma viagem segura
entre os reinos.
Outros tesouros ou feitos também são
associados a ele com o Mucca Mhannanain, um porco cuja carne se regenera
quando abatido para consumo, uma vaca manchada recuperada por ele e Aengus da
Índia cujo leite intoxicante era viciante, uma vaca seca, dois cálices de ouro.
Teria ele também dado as Tuatha dé Danann o Fleadh Goibhneann (Banquete
de Goibiniu) que teria protegido as Tuatha dé de doenças e da decadência.
Ele foi o deus responsável pelo
treinamento militar do deus Lugh. Quando Lugh foi se juntar as Tuatha dé Danann
na batalha contra os Fomores, Manannán o presenteou com casaco ou roupa que,
enquanto usasse, o faria não ser ferido; uma armadura impenetrável; e um elmo
com duas pedras cravejadas (uma a frente e uma atrás) que brilhava enquanto ele
se movia. Então o deus dos mares abençoou Lugh com sua espada e emprestou a
Lugh seu cavalo Enbarr.
Cormac mac Airt teria recebido de
Manannán o Ramo de Prata, um galho de macieira contendo maçãs mágicas que
quando balançado soava um doce som que encantava os sídhe, permitindo que ele
viajasse em segurança entre os mundos... Hoje o Ramo de Prata é parte integrante
do druidismo, um instrumento poderosíssimo feito com galhos e guizos que,
quando soado, sacralizam e encantam o ambiente, as ações e pensamentos ali
realizados.
Manannán residiria e governaria em
Emhain Abhlach (a Ilha das Maçãs), comumente associada a Ilha de Man.
Tecnicamente, essa ilha protegida pelas mágicas névoas de Manannán, teria recebido
esse nome em sua homenagem. Durante o Solstício de Verão, era comum que os
habitantes da ilha, subissem o monte para deixar oferendas ao deus, como tributo
e pagamento de “aluguel” pelo usufruto das terras de Manannán. A ele também são
associados o governo e as Ilhas Abençoadas (ilhas mágicas espalhadas pelo
mundo), a Tír na nÓg (Terra da Juventude presente no Outro Mundo) e a Mag Mell
(a Planície das Maravilhas no Outro Mundo)
O deus também teve várias esposas,
amantes e filhas e filhos. É um deus que, apesar da poligamia, enfatiza muito o
bom tratamento, respeito e convívio. Em seus mitos sempre fora cortês, sedutor
e respeitador de todas as mulheres, sempre as valorizando. Entre suas esposas
mais famosas temos as deusas feéricas Fand e Áine. Era também relacionado ao
comércio, a magia, a nobreza. Sempre descrito de maneira muito elegante, nobre
e sedutora. Mas também é considerado um trickster (brincalhão), um deus
famoso por pregar peças nas pessoas.
Manannán é, sem dúvida, um deus de
muitos atributos, inebriante como mar. Envolvente, sedutor, imponente, profundo
e misterioso. Se aproximar e contemplar esse deus é, sem dúvida, sair numa
jornada profunda de encontro e reencontro... É um deus que nos ensina a nobreza
e a manter sempre seguro aquilo nos é caro e precioso. Ele rege nossos
desafios, jornadas e viagens, principalmente as experiências espirituais, os mistérios
da morte. Em sua barca e sob sua guia, podemos fazer nossa jornada mágica tanto
metaforicamente ou espiritualmente, quanto o faremos no momento de nossa morte.
Contudo, lidar com esse deus requer
honra, nobreza, discernimento e muito bom humor. Apesar de ser um clássico
brincalhão, como todo mar é, ele pede seriedade, atenção e concentração. Nos
ensina a olhar por além dos encantos e seduções, e quando alcançamos esse estágio,
nos guia de forma segura até a realização de nossos objetivos. Como um navegante,
conhecedor e frequentador de muitos portos e povos, Manannán reforça em nós o
senso e o sentido de hospitalidade, moeda que deve ser levada em consideração
nos dois lados, tanto vale para o visitante quanto para o anfitrião. O respeito
e a nobreza de alma são sempre valores fundamentais no contato com o outro.