Referências

terça-feira, 16 de julho de 2019

Panteão Clânico - Parte 7: O deus Oghma

Os textos dessa série serão escritos sempre pelo nosso druida, Ávillys d'Avalon, e assim trazem as percepções, estudos e compreensões do druida e de nossas práticas clânicas, muitas vezes com um caráter profundo de gnose pessoal, ou seja, não dependendo muito de referências bibliográficas específicas. Muitas das bibliografias sobre os deuses celtas são profundamente pessoais e subjetivas já que os druidas do passado não nos deixaram efetivamente nenhum texto escrito ou orientação fundamental. 


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Por Ávillys d'Avalon.

Oghma (ou Ogma) é um dos grandes deuses celta-irlandeses. É o inventor mítico do Ogham (alfabeto celta-irlandês) e um deus de grandes atributos. Sua proximidades com o gaulês Ogmios levam a crer que se trate da mesma deidade. Também é comparado a Hércules / Heracles da mitologia greco-romana. Oghma é filho de Elatha com Eithiniu, portanto, neto de Balor, irmão de Dagda e meio irmão de Bres. É casado com Etain, filha de DianCécht.

Oghma é o deus da eloquência, da oratória, da nobreza, do conhecimento, da magia, e um campeão de guerra. Apesar de sua origem fomoriana, Oghma, assim como outros, se aliou às Tuatha dé Danann desde a Primeira Batalha de Magh Tuiread. Mas seus principais contos repassam no entre-guerras e na Segunda Batalha de Magh Tuiread, quando Nuada deixa de ser rei por perder seu braço em batalha e Bres, o Belo, é levado à liderança por escolha popular.
             
Nesse período tenebroso da história das Tuatha dé Danann, Bres foi um rei tirânico, que aumentou as taxações e os privilégios dos fomorianos enquanto explorava os danannianos. Oghma, por usa força e destreza, foi colocado para carregar lenhas e pedras, um trabalho muito abaixo de sua nobreza. Foi nesse tempo, que Oghma criou o Ogham, o alfabeto celta-irlandês registrado nos manuscritos irlandeses Auricept na n-Éces, Lebor Ogaim, Bríatharogam e Leabhar Bhaile an Mhóte (Book of Ballymote). Segundo o Lebor Ogaim, Oghma, qualificado no discurso e na poesia, inventou o Ogham e o nomeou a partir das árvores da floresta, registrando sua sabedoria em um código que só os cultos e os letrados poderiam ter acesso.
             
Quando Nuada recupera seu braço a partir das artes de Miach, filho de DianCécht, e também recupera o trono das Tuatha dé Danann, Oghma é promovido a Campeão do rei, e permanece campeão durante o reinado de Lugh. É quando acontece a Segunda Batalha de Magh Tuiread e Oghma mostra suas artes e façanhas contra os fomorianos. Ao final da batalha, Ogham encontra e torna sua a espada fomoriana Orna perdida no campo de batalha, uma espada mágica que canta suas conquistas.
             
Geralmente descrito como um homem de mais idade, Oghma é chamado de Giannach (“o ensolarado” / “o iluminado”), mostrando sua relação com o sol e com o conhecimento e a sabedoria (a iluminação). Também é chamado de Cermait (“o da boca de mel”), revelando sua eloquência. É um deus muito poderoso que também rege a nobreza, não econômica, mas de alma. Ele nos ensina o dom do trabalho nobre (seja ele qual for), a paciência (a espera do momento certo), e o poder libertador do conhecimento. Possivelmente, foi seu trabalho como lenhador na floresta que o permitiu conhecer os mistérios das árvores, e assim criar o Ogham. Outro aspecto importante, é que a nobreza nas sociedades célticas está associada às patentes ou feitios e heróis de guerra, o que Ogham também mostra e comprova por seus feitos em batalha.
             
O conhecimento, a nobreza, a dedicação, a lealdade, e a paciência são certamente características importantes dessa deidade, que geralmente é descrito como um homem de mais idade, carregando uma clava, com a língua para fora, de onde saem correntes que controlam os homens. Essa imagem, inicialmente grotesca, mostra o poder da fala e da eloquência, capaz de controlar os homens, para além da força bruta ou das aparências. Outra imagem sua é uma face ensolarada com a língua para fora, de onde também saem correntes, repetindo a associação, mas aqui trabalhando ele como iluminado.


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 Esse fato, nos lembra das Instruções de Cormac, que ensina sobre nobreza, condutas, lideranças e eloquência... Essas instruções foram dadas pelo rei Cormac ao seu filho e sucessor, Cairpre. Deixo a seguir o literal das Instruções de Cormac registrado por Bellouesus Isarnosno Bellodunon[1].
 

Tecosca Cormaic

Tradução: Bellou̯esus Īsarnos

Do Leabhar Bhaile an Mhóta, “Livro de Ballymote”, RIA MS 23 P 12, 275 foll.

Ethne deu a Cormac um filho, seu primogênito, Cairpre, que foi rei de Ériu depois de Cormac. Foi durante a vida de Cormac que Cairpre subiu ao trono, pois ocorreu que, antes de morrer, Cormac foi ferido por uma lança e perdeu um dos olhos e era proibido que qualquer homem com um defeito fosse rei em Ériu. Assim, Cormac entregou o reino nas mãos de Cairpre, mas, antes de fazê-lo, transmitiu a seu filho toda a sabedoria que possuía no governo dos homens e isso foi anotado em um livro chamado As Instruções de Cormac. Estas palavras encontram-se entre seus ensinamentos:

– Ó Cormac, neto de Conn – disse Cairbre -, quais são os deveres de um chefe numa taverna?
– Não é difícil dizer – disse Cormac.
– Bom comportamento em volta de um bom chefe,
Luzes para as lamparinas,
Esforçar-se pelo grupo,
Distribuição adequada de assentos,
Generosidade dos distribuidores,
Mão ágil ao servir,
Atendimento solícito,
Música com moderação,
Narrativas curtas,
Semblante jovial,
Amável saudação aos convidados,
Durante récitas, quietude,
Cantorias harmoniosas.

– Ó Cormac, neto de Conn – disse Cairbre -, quais teus costumes quando eras um rapaz?
– Não é difícil dizer – falou Cormac.
– Eu escutava nas florestas,
Fitavas as estrelas,
Era cego a respeito de segredos,
Silencioso nos ermos,
Palrador no meio da multidão.
Moderado no salão de festas,
Duro no combate,
Cortês para com os aliados,
Um médico para o enfermo,
Fraco para com o débil,
Forte para com o poderoso,
Não era íntimo para não me tornar inconveniente,
Não era arrogante, embora fosse instruído,
Conquanto capaz, não era dado a prometer,
Não era temerário, embora fosse rápido,
Conquanto fosse jovem, não zombava dos velhos,
Não era jactancioso, embora fosse bom lutador,
Não falaria de alguém em sua ausência,
A vituperar eu preferia exaltar,
A pedir eu preferia dar,
Pois é com tais costumes que os jovens tornam-se maduros e nobres guerreiros.

– Ó Cormac, neto de Conn – disse Cairbre -, qual é a pior coisa que tens visto?
– Não é difícil dizer: – falou Cormac – as faces de inimigos no tumulto da batalha.

– Ó Cormac, neto de Conn – disse Cairbre -, qual é a mais doce coisa que tens ouvido?
– Não é difícil dizer: – falou Cormac – o grito de triunfo depois da vitória, louvor depois dos esforços, o convite de uma dama para seu leito.

– Ó Cormac, neto de Conn – disse Cairbre -, que é o pior para o corpo de um homem?
– Não é difícil dizer: – falou Cormac – sentar-se por muito tempo, ficar muito tempo deitado, esforçar-se além das próprias forças, correr demais, saltar demais, cair muitas vezes, dormir com a perna por cima da grade da cama, olhar brasas acesas fixamente, cera, colostro de vaca, cerveja nova, carne de touro, comida azeda, comida seca, água do brejo, levantar-se muito cedo, frio, sol, fome, beber demais, comer demais, dormir demais, pecar demais, tristeza, subir uma elevação correndo, gritar contra o vento, secar-se ao fogo, o orvalho do verão, o orvalho do inverno, remexer cinzas, nadar de barriga cheia, dormir de barriga para cima, fazer brincadeiras idiotas.

– Ó Cormac, filho de Conn – disse Cairpre – quais são o pior pedido e a pior argumentação?
– Não é difícil dizer – falou Cormac.
– Combater contra o conhecimento,
Argumentar sem provas,
Escudar-se em linguagem imprópria,
Uma elocução tensa,
Falar resmungando,
Excesso de minúcias,
Provas duvidosas,
Desprezo aos livros,
Voltar-se contra os costumes,
Mudar o pedido,
Instigar a ralé,
Soprar a própria corneta,
Berrar a todo pulmão.

– Ó Cormac, neto de Conn – disse Cairpre -, quem são os piores com quem podes fazer uma comparação?
– Não é difícil dizer – falou Cormac.
– Um homem com o descaramento de um satirista,
Com a belicosidade de uma escrava,
Com a negligência de um cão,
Com a consciência de um patife,
Com a mão de um ladrão,
Com a força de um touro,
Com a respeitabilidade de um juiz,
Com saber engenhoso e perspicaz,
Com o discurso de um homem majestoso,
Com a memória de um historiador,
Com o comportamento de um abade,
Com o juramento de um ladrão de cavalos,
E sendo inteligente, mentiroso, grisalho, violento, blasfemo, falastrão, quando diz: “a questão está decidida, eu juro, jurarás também.”

– Ó Cormac, neto de Conn – disse Cairbre – desejo saber como devo comportar-me entre os sábios e tolos, em meio aos amigos e estranhos, entre os jovens e os velhos, em meio aos inocentes e perversos.
– Não é difícil dizer – falou Cormac.
– Não sejas muito douto, não sejas muito néscio,
Não sejas muito presunçoso, não sejas muito acanhado,
Não sejas muito orgulhoso, não sejas muito humilde,
Não sejas muito falador, não sejas muito silencioso,
Não sejas muito rígido, não sejas muito débil.
Se fores muito douto, esperar-se-á muito de ti.
Se fores muito néscio, serás enganado.
Se fores muito orgulhoso, acreditar-te-ão molesto.
Se fores muito humilde, serás sem honra.
Se fores muito falador, não te darão atenção.
Se fores muito silencioso, não serás estimado.
Se fores muito rígido, serás quebrado.
Se fores muito débil, serás esmagado.

[Aqui terminam as Instruções de Cormac Ulfada, filho de Art, filho de Conn Cétchathach, filho de Óenlám Gaba, filho de Tuathal Techtmar, filho de Feradach Findfechtnach, filho de Crimthann Nia Nár, filho de Lugaid Riab nDerg, filho de Bres, Nár and Lothar, filhos de Eochaid Feidlech, filho de Find, Grande Rei de Ériu, que o filho de Art deu a seu primogênito, Cairpre Lifechair.]